|
Verbete Geral: Línguas Africanas no Brasil
A presença de línguas africanas no Brasil está
diretamente associada ao tráfico de escravos que, por mais de três
séculos sucessivos, de 1502 a 1860, introduziu no país por
volta de 3.600.000 africanos, de origem diversa: “sudaneses”, da região
situada ao norte do equador (ciclo da Guiné, século XVI); “bantos”,
ao sul do equador (ciclo do Congo e de Angola, século XVII); “sudaneses”,
novamente, da costa ocidental (ciclo da costa da Mina, início
do século XVIII, e ciclo da baía do Benim, meados do mesmo século);
no século XIX, chegam escravos de todas as regiões, predominando
os originários de Angola e Moçambique (Mattoso, 1982).
Não se pode precisar o número das línguas que aqui aportaram,
mas sabe-se que na área atingida pelo tráfico são faladas
por volta de 200 a 300 línguas, uma pequena parcela do conjunto lingüístico
africano que conta com mais de 2000 línguas, segundo o inventário
mais recente (Grimes, 1996). Elas são originárias, essencialmente,
de duas grandes áreas:
a) área oeste-africana - caracterizada
pelo maior número de línguas, tipologicamente muito diversificadas:
(i) "oeste-atlântica" (fulfulde, wolof,
serer, temne...);
(ii) "mandê"(mandinga, sobretudo);
(iv) "benuê-congo", principalmente
os falares iorubá designados no Brasil pelo termo 'nagô-queto",
nupe (tapa), igbo, ijo... e também
(v) "chádicas" (hauçá)
e ainda
(vi) "nilo-saariana" (canúri).
b) área banto
- limitada à costa ocidental (atuais Congo, República
do Congo e Angola) e só mais tarde à costa oriental (Moçambique)
– caracterizada por um número reduzido de línguas, tipologicamente
homogêneas, mas falada por um número maior de cativos: (i) quicongo
(H10) , falada pelos bacongos, numa zona que corresponde ao antigo Reino
do Congo; (ii) quimbundo (H20), falada pelos ambundos, na região central
de Angola, correspondendo ao antigo reino de Ndongo; (iii) umbundo (R10),
falada pelos ovimbundos, na região de Benguela, em Angola.
No século XX
não se localiza nenhum registro sobre línguas africanas ‘plenas’
no Brasil, visto que desde o final do século anterior elas passam
a manifestar-se como línguas especiais, utilizadas como códigos
por grupos específicos, seja como “língua ritual” – nos cultos
“afro-brasileiros”, seja como “língua secreta”
– marca de identidade de descendentes de escravos, em comunidades negras
(atuais ‘quilombos’) como Cafundó e Tabatinga.
As línguas africanas,
marcadas pela ruptura de sua continuidade no espaço original, encontraram-se,
no Brasil, distantes do convívio com suas variantes dialetais, dentro
de um quadro heterogêneo em que os novos contatos lingüísticos
com o português, as
línguas indígenas
e outras línguas africanas ocorreram de
forma diferenciada, nas diferentes épocas e nos diferentes ambientes
(urbano e rural). A pesquisa acadêmica só as considerou
enquanto possibilidade de “influenciar” o português brasileiro. Os trabalhos
mais recentes admitem a presença de um léxico importante de
origem africana (2.500 itens, no inventário de Schneider, 1991),
mas questionam a “influência” africana na gramática (fonologia
e sintaxe) do português brasileiro. Os defensores associam o contato
a processos de crioulização (Guy, 1981; Baxter, 1992), ou semicrioulização
(Holm, 1994); os contestadores reconhecem a presença africana, mas
destacam como mais significativa a deriva secular européia, mantida
apesar de todas as mudanças do português brasileiro (Naro e
Scherre, 1993).
(M.P.)
|inicial | busca | créditos | links | contato |
|