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Pesquisa e Documentação
Documentação das Línguas Indígenas
Os primeiros registros
sobre as línguas indígenas começaram a ser feitos desde
o período colonial por missionários e viajantes, no século
XVI. A respeito do Tupi antigo foram publicadas observações
gramaticais e textos escritos nesta língua por André de
Thevet e Jean de Léry. Os textos representam a tentativa de Léry
de reproduzir conversações típicas entre índios
e europeus. Neste mesmo período os jesuítas publicam traduções
de textos europeus para o Tupi: orações e credos. O relato
de viagem de Hans Staden (1557), publicado pela primeira vez no Brasil
em 1892, também apresenta registros de palavras e frases em Tupinambá,
coletados no período em que o viajante alemão esteve no
Brasil.
Do ponto de vista da gramatização desta língua,
temos a gramática dos jesuítas Pe. José de Anchieta
(1595) - A Arte da grammatica da
lingoa mais usada na costa do Brasil - e do Pe. Luís Figueira,
Arte da Língua Brasílica (1621).
De autoria anônima destaca-se o Vocabuláro
na língua brasílica e o Dicionário
Português-Brasiliano. Além desses instrumentos lingüísticos,
foram produzidos também alguns catecismos, composições
líricas e dramáticas: o Catecismo na Língua
Brasílica (Pe.Anchieta,1618) e o Cômpêndio
da Doutrina Cristã (Pe.Bettendorff, 1678), dentre outros.
O Guarani
antigo era falado no início do século XVII numa região
que, na época, era colônia espanhola. Abrangendo duas grandes
áreas, a do rio Uruguai e a chamada Província do Guairá
―que hoje correspondem, respectivamente, à região missioneira
do Rio Grande do Sul e Argentina e ao atual estado do Paraná―,
esta língua contou com importante trabalho de documentação,
realizado na Província de Guairá, pelo missionário
peruano Pe. Antonio Ruiz de Montoya nos séculos XVI e XVII. São
de sua autoria uma gramática e dois dicionários – Arte, Bocabulario y Tesoro de la lengua Guarani
(1639-1640). Neste
período, ainda foram escritas por Luís Vicencio Mamiani
uma gramática da língua Kiriri e um catecismo: Arte da grammatica da lingua brasilica da naçam Kiriri
(1699) e Catecismo da doutrina christã na língua
brasílica da nação Kiriri (1698).
No século XIX, outras línguas foram documentadas por naturalistas
europeus. O alemão Carl Friedrich Philipp von Martius, juntamente
com Johann Baptist Von Spix registra neste período vocábulos
de cerca de cinquenta línguas ameríndias, material que
vem a ser publicado no Glossário das línguas brasilienses
(Glossaria linguarum brasiliensium, 1867).
No segundo Império, com a vinda da família real ao Brasil,
criam-se instituições científicas no país,
que passam a promover a coleta, sistematização
e publicação de documentos sobre e nas línguas indígenas
faladas no período colonial, principalmente sobre a Língua
Geral Amazônica ou Nheengatú. Dentre as publicações
importantes, destaca-se o Poranduba Maranhense, manuscrito
produzido pelos jesuítas e publicado pela primeira vez em 1843,
pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB).
Na segunda metade do século XX, as missões evangélicas,
representadas pelas Missões Novas Tribos do Brasil
(MNTB), passam a entrar em área indígena realizando, através
do SIL (Summer Institute Linguistic, denominada atualmente
no Brasil como Sociedade Internacional de Lingüística),
a tradução do novo testamento para as línguas indígenas.
Segundo dados recentes da própria MNTB (1999), o Novo testamento
encontra-se traduzido por completo nas seguintes línguas: Apinajé,
Baniwa, Guarani, Hixkariana, Ka’apor, Kaxinawa, Kaingang, Karajá,
Kuripako, Maxacali, Nhengatu, Sateré e Yanomami. Materiais lingüísticos,
como gramáticas, dicionários bilingües, textos em
geral são também publicados por este Instituto.
Dentre alguns fatores que contribuíram para a redução
do número de falantes em línguas indígenas e o número
de línguas indígenas no Brasil podemos salientar: a) a
gramatização do Tupi pelos jesuítas,
na base da tradição grego-latina (sec.XVI e XVII); b) o
decreto pombalino, que proíbe o ensino
de línguas indígenas nos colégios das missões
jesuíticas da Companhia de Jesus, instalados por quase dois séculos
no Brasil, e impõe o ensino do português aos índios (séc.
XVIII); c) a formação de intérpretes em língua
indígena, caracterizados na figura do língua
– portugueses trazidos para o Brasil durante as primeiras expedições
dos navegadores, para que aprendessem a língua dos índios
e servissem de intérpretes/tradutores em políticas civilizatórias
no sec.XIX; d) o ensino sistematizado do português nas escolas
das missões salesianas no Amazonas (início sec.XX); e)
a formação de lingüistas-missionários
do SIL (Summer Institute of Linguistics) em aliança com instituções
científicas, marcando a entrada das missões evangélicas
em área indígena voltadas à tradução
do Novo testamento (na segunda metade do século XX); f) a implantação
do ensino bilingüe de transição
nas escolas indígenas -- autorizado pela FUNAI em aliança
com o SIL, a partir dos anos setenta --, com fins de substituição
cultural, através da tradução do Novo Testamento
nas línguas indígenas.
O surgimento de políticas indígenas voltadas à
educação marca uma nova fase de escolarização
indígena através de projetos alternativos de educação
escolar. Fundamentadas na busca de autonomia das escolas indígenas
em
relação ao Estado, estas políticas
opõem-se ao projeto integracionista de educação escolar
promovido pelo SIL/FUNAI. No final da década de setenta, organizam-se
projetos alternativos de educação escolar com a participação
de entidades de apoio à causa indígena (ONGs) e com o surgimento
de Movimentos indígenas organizados. Propondo-se a tornar compatível
a educação formal com os projetos de autodeterminação
das sociedades indigenas, propiciando a autonomia das escolas indígenas
em relação às políticas do Estado, esta nova
fase se caracteriza pela criação e autogestão de processos
de educação escolar indigena fundamentados na interculturalidade.
A construção desta nova fase de escolarização
indígena intensifica-se a partir dos anos oitenta, pelo aparecimento
do Movimento dos Professores Indígenas. Este Movimento representa-se através do surgimento de organizações
indígenas voltadas especificamente à questão da
educação, como é o caso da Organização
Geral dos Professores Ticuna Bilingües (OGPTB) e da Comissão de Professores Indigenas do Amazonas, Acre,
Roraima (COPIAR). Atualmente, a educação formal, caracterizada
como bilingüe e bicultural, vem
funcionado de forma bastante diversificada em cada escola indígena,
tendo em vista as condições sociolingüísticas
das aldeias, dentre outros fatores. Apesar de a Constituição
(1988), a nova LDB (1996) e os RCN/Indígenas - Referenciais Curriculares
Indígenas – (1999) legislarem sobre o direito aos povos indígenas
do ensino das línguas indígenas nas suas escolas e de uma
auto-gestão indígena, não são raros, no entanto,
os casos de escolas indígenas que
vêm seguindo o currículo das escolas municipais e estaduais
da região, por imposição, muitas vezes, da própria
Secretaria da Educação. Nestes casos, todas as disciplinas
são ensinadas em língua portuguesa, e a língua indígena
passa a ser apenas uma disciplina que estaria representando a especificidade
da escola indígena. Nota-se,
nestes contextos, que o chamado “ensino bilingüe” continua funcionando
como ponte para a integração do índio à cultura
ocidental. Alguns projetos voltados à autonomia das escolas indígenas,
no entanto, têm conseguido priorizar o ensino bilingüe como
prática intercultural de revitalização e manutenção
da cultura.
Neste processo de escolarização indígena, muitos
materiais lingüístico-pedagógicos (cartilhas, textos
de leitura, dicionários e vocabulários bilingües, etc)
têm sido produzidos em diferentes línguas indígenas.
O sistema de escrita adotado para as línguas indígenas
é o alfabético.
O formação de professores indígenas, principalmente
na região amazônica, tem favorecido a produção
destes materiais por parte dos próprios indígenas.
Destacamos, desta nova fase, alguns trabalhos produzidos a partir de
programa específicos: a) o material dos professores Ticuna, desenvolvido
pela OGPTB juntamente como Museu Maguta: O livro das árvores
(1997), Ngi’ã Tanaütchicünaagü: um
manual de escrita (1992); Popera I Ugütaeruü Magütagawa
(1988) ; b) o material dos professores sateré-Mawé, através
do curso de Capacitação de Professores Indígenas
coordenado pela Secretaria Estadual de Educação/IERAM (Instituto
de Educação Rural do Amazonas): Satere-Mawe:
mowe’e~g (1998), Coleção Seres Vivos
(1998); c) o material dos professores Waimiri-Atroari, produzidos através
do Programa de Educação Waimiri-Atroari, subvencionado pela
Eletronorte: Wenpatypy Ikaa: livro de alfabetização
Waimiri-Atroari (1996).
Outras importantes produções têm sido desenvolvidas
através de outros projetos integrados de pesquisa, envolvendo
instituições científicas e ONGs. Associando o trabalho
científico de descrição das línguas indígenas
à sua aplicação no ensino bilingüe, estes trabalhos
têm priorizado a formação de professores e lingüistas
indígenas como um dos modos de promoção da autonomia
desses povos.
Nesta direção, lingüistas vêm produzindo muitas
gramáticas e manuais para fins pedagógicos, priorizando
a formação de professores indígenas em seu trabalho
de alfabetização em língua indígena.
Citamos: Gramática da Língua
Kulina (1986), A fala Tukano dos Ye’Pâ-Masa – Gramática
e dicionário (1997); Iniciação à
língua Yanomami: curso para não falantes (1993); Yasu Yampinima Yanenhenga: método experimental de Alfabetização
para falantes de Nheengatú (1995), este últimos produzidos
com o apoio da Inspetoria Salesiana de Manaus. O SIL também tem
se destacado pela sua vasta produção de lingüístico,
destacando-se os dicionários e vocabulários bilingües,
textos e lendas em versão bilingüe e outros trabalhos de
descrição lingüística.
O estudo sistemático de línguas indígenas em Universidades
brasileiras iniciou-se pela introdução da cadeira de Tupinologia,
na USP, pelo Prof.Plínio Ayrosa, estudos de caráter filológico,
etimológico e histórico. Atualmente, estudos de outras
línguas indígenas vem sendo realizados nas Universidades
e Centros de Pesquisa brasileiros. A Unicamp oferece curso de Lingüística
Indígena, desenvolvendo pesquisas na área de lingüística
sincrônica, sobressaindo-se a descrição de línguas
da região do Xingu, dentre outras. O Museu Goeldi (PA) e o Museu
Nacional (RJ) também destacam-se com os cursos de formação
nesta área, em convênio com instituições americanas.
Em termos de classificação genética, as línguas indígenas estão
atualmente organizadas em dois troncos: o Tupi e o Macro-Jê, e
em 36 famílias lingüísticas. A primeira classificação
das línguas indígenas no Brasil foi produto do trabalho
de missionários e viajantes, que distinguiram as línguas
Tupi das demais línguas não pertencentes a esse tronco,
denominadas, então, Tapuya.
No Mapa Etno-histórico do Brasil e regiões
adjacentes, produzido por Curt Nimuendaju, entre
1943/1944, as línguas indígenas existentes desde 1500 são
classificadas em 40 famílias lingüísticas. Sem incluir
as cerca de 30 outras línguas isoladas não classificadas em
famílias e as línguas desconhecidas.
(M.H.)
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