A noção de metrópole é comumente definida como uma cidade grande e influente. A isso são acrescidas, conforme o discurso, diferentes especificidades econômicas, jurídicas, políticas, administrativas, culturais, dentre outras. As metrópoles remontam à Antiguidade, mas foi no século XX que elas tomaram uma dimensão mais ampla, com o aparecimento de cidades com milhões de habitantes, como Tóquio, Nova Iorque, Paris, Berlim, São Paulo e muitas outras. A quantidade da população suscitou a partir daí uma série de iniciativas tendo em vista lidar com as conseqüências do descontrole urbano. Ultrapassando os limites dos municípios, surge também uma outra forma de aglomeração: a região metropolitana. Como realidade não prevista nas legislações, buscam-se modos de legitimar essas novas formações citadinas em meio às configurações institucionais já estabelecidas, como o Estado, os municípios e outras divisões político-administrativas. Diante da globalização, da força do mercado e das limitações do Estado, novas formas de governabilidade são propostas, envolvendo as diversas dimensões constituintes da cidade.
Segundo F. Choay, a metrópole existe desde a Antiguidade: “se não Nínive e Babilônia, pelo menos Roma e Alexandria já colocavam para seus habitantes certos problemas que vivemos hoje” (CHOAY, 2007[1965], apud CARCOPINO, 1939). Na Antiguidade a metrópole era uma exceção. Já o século XX pode ser considerado “a era das metrópoles”, quando estas atingem números de população nunca antes imaginados, ultrapassando até os dez milhões de habitantes, número que em 1889 Júlio Verne previa somente para 2889. A metrópole, ainda conforme Choay, é um produto da sociedade industrial, que tem o urbano, a cidade como seu horizonte. Daí surgiram as “conurbações”, as cidades industriais, os grandes conjuntos habitacionais.
No Dicionário da Língua Portuguesa (FERREIRA, 1999), temos as seguintes definições gerais de metrópole: “S.f. 1. Cidade principal, ou capital de província ou de estado. 2. P. ext. Grande cidade, cidade importante.”. Nessas acepções nota-se o discurso de capital, marcado pela significação da quantidade (“grande”) e da “importância” no interior de espaços administrativos como a “província” e o “estado”. Mais abaixo no mesmo verbete, encontra-se uma outra definição, marcada como de especialidade do Urbanismo: “A principal cidade que exerce influência funcional, econômica e social sobre as cidades menores de uma região metropolitana”. Essa definição retoma o sentido de importância (“principal cidade”), acrescentando que se trata de uma “influência funcional, econômica e social”. Coloca-se em cena aí o discurso econômico e social, ligado a uma visão funcionalista do urbanismo. Também é significado nessa definição urbanística o espaço que abrange a metrópole e as “cidades menores” sob sua influência: a “região metropolitana”.
Assim, enquanto no sentido geral, em um discurso administrativo nacional, temos no dicionário Aurélio a metrópole como “capital”, no sentido especializado do urbanismo temos a relação de influência entre uma cidade maior e outras menores em uma mesma região, sem menção ao espaço administativo da “província” e do “estado”. Essa distinção aponta para uma significação de metrópole que não fica relacionada às divisões federativas do espaço nacional, mas sim a relações econômicas e sociais que têm lugar nesse espaço.
Essa característica de escapar ao traçado oficial das divisões espaciais faz com que metrópole e suas expansões e ligações abram um novo campo possível de significações. Na Constituição brasileira, não encontramos a palavra “metrópole”, mas nos deparamos com uma menção às “regiões metropolitanas”: “Os Estados poderão, mediante lei complementar, instituir regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, constituídas por agrupamentos de municípios limítrofes, para integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum.” (CONSTITUIÇÃO DA REPÚBICA (...), 2013, art. 25, §3). Isso mostra que na lei maior do país não há definição de “metrópole” mas somente de “região metopolitana”, enquanto “agrupamento de municípios limítrofes”. Nessa definição, encabeçada pela palavra “agrupamento”, com ligação também com “aglomeração”, não há diferenciação dos municípios, nem pela grandeza nem pelo grau de importância ou influência de um sobre outros, ao passo que prevalece a significação coletiva. As palavras “município” e “estado” marcam o discurso administrativo, visto que a região metropolitana fica significada no interior dos limites de um estado federativo, sendo formada por um conjunto de municípios, sem capital. O tempo futuro do enunciado: “Os Estados poderão (...) instituir regiões metropolitanas” é um índice da projeção de futuridade das cidades e desses novos espaços administrativos delimitados. Não se fala nessa sequência sobre “economia” e “sociedade”, mas apenas sobre a instituição de um espaço de “planejamento”, o que reforça a construção de um discurso administrativo para um novo espaço circunscrito. E esse planejamento aparece em vista de uma finalidade: “a execução de funções públicas de interesse comum”. A futuridade da região metropolitana se constitui, então, em vista da “função pública” e do “interesse comum”.
Na conjuntura da globalização, as metrópoles sofrem transformações significativas, dentre as quais podemos citar: a preponderância de uma economia de mercado global, o uso de novas tecnologias digitais em rede, a privatização de serviços públicos, a desindustrialização, o crescimento das atividades de serviço, a requalificação profissional, dentre outras. Com o crescimento das cidades, surgem também vários fatores que levam às chamadas “crises urbanas”: a desigualdade econômica e social, a segregação espacial, a violência urbana, a especulação imobiliária, a degradação de áreas centrais, a elitização de áreas periféricas, os problemas de transporte, a distribuição desigual de infraestrutura, dentre outros.
A noção de “governabilidade” surge como uma das respostas a essa crise urbana, às limitações do Estado e às dificuldades de planejar e realizar práticas governamentais. Ao organizar uma coletânea de estudos sobre o futuro das metrópoles, o arquiteto e especialista em metrópoles, Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro, afirma que “para muitos autores é na metrópole que estariam hoje concentradas as manifestações mais claras de crise de governabilidade que marca, sobretudo, os países do capitalismo periférico, porque para ela convergem todos os efeitos sociais nefastos das tranformações econômicas. O aumento da segregação urbana e das desigualdades traria como resultado o retraimento da sociedade civil organizada, que reduziria portanto as possibilidades de instaurar nas metrópoles uma governabilidade democrática” (RIBEIRO, 2000, p.18), Com a criação de regiões metropolitanas, instala-se a “gestão metropolitana”, em busca de condições institucionais de governo dos aglomerados urbanos, visto que os planejamentos locais não dão conta geralmente dessa dimensão mais ampla.
Do ponto de vista jurídico-institucional, Edésio Fernandes considera que, apesar dos avanços da Constituição de 1988 quanto ao reconhecimento das regiões metropolitanas e do papel dos estados federativos em sua criação, o processo constituinte foi acompanhando de um “municipalismo a todo custo” e da ausência de critérios para o tratamento das regiões metropolitanas no âmbito estadual, o que teve por conseqüência um esvaziamento da esfera estadual no pacto federativo (cf. FERNANDES, 2005, p. 15). Diante das contradições produzidas no entremeio das relações entre as diversas instâncias de governo, as regiões metropolitanas encontram-se assim em uma situação instável, na busca pelos sentidos de seu futuro.
Apesar da discrepância entre o espaço real e o legitimado, as regiões metropolitanas têm se constituído como crescentes forças políticas. No Brasil, de acordo com o engenheiro civil e especialista em Planejamento de Transportes Urbanos e Controle de Tráfego, Ronaldo Guimarães Gouvêa, “constata-se a existência de quase duas dezenas de regiões metropolitanas e de aglomerações urbanas com mais de um milhão de indivíduos, sendo que uma delas – São Paulo – fechou o século XX com quase 18 milhões de habitantes.” (GOUVÊA, 2005, p. 18). Gouvêa efetua uma análise do que ele considera o “poder local”, enquanto “relação de forças por meio das quais se processam alianças e confrontos entre atores políticos e sociais e enquanto espaço delimitado onde se formam identidades e práticas sociais específicas” (Idem, p. 21). Situando-se entre os que defendem a implantação de algum nível de institucionalização metropolitana no Brasil, o autor sustenta uma perspectiva plurimunicipal para determinados programas infra-estruturais e abrangentes. Propõe também a institucionalização do “município metropolitano” como “realidade urbanística específica, distinta do município tradicional”, com um arcabouço adequado a “interações entre distintas municipalidades em tono do problema de interesse comum, bem como maior equilíbrio entre os membros das regiões metropolitanas para formular e implementar, de forma democrática, políticas públicas plurimunicipais” (Idem, p. 240).
Esses fatos e essas iniciativas são sinais das transformações políticas e institucionais que se aventam para a conjuntura metropolitana, em áreas como o trabalho, a educação, a habitação, a saúde, o transporte público, a cultura, etc.
Referências Bibliográficas
CARCOPINO, J. La vie quotidienne à Rome. Paris: Hachette, 1939.
CHOAY, F. O Urbanismo: utopias e realidades, uma antologia; [tradução: Dafne Nascimento Rodrigues]. São Paulo: Perspectiva, 2007 [1965].
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ constituicao/constituicao.htm. Acesso em 25 de fevereiro de 2013.
FERNANDES, E. Apresentação. In: A Questão Metropolitana no Brasil. R. G. Gouvêa. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005.
FERREIRA, A. B. de H. Novo Aurélio Século XXI: o Dicionário da Língua Portuguesa. 3ª ed. totalmente revista e ampliada. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.
GOUVÊA, R. G. A Questão Metropolitana no Brasil. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005.
RIBEIRO, L. C. de Q. O Futuro das Metrópoles: desigualdade e governabilidade. Rio de Janeiro: Revan: FASE, 2000.