Artes - Palabras que hacen falta...
Em Palabras que hacen falta (Brasil, 2012), a memória torna-se argumento. A memória torna-se objeto, sítio, espaço, movimento, política, ciência... A memória toca a cidade preenchendo-a(s, memória e cidade) de sentidos: palavra ausência necessidade... A “palabra” torna-se efeito do “encuentro” da língua com a história política de Córdoba, Argentina, para ressignificá-la (s, palavra, história, cidade): subversão, clandestino, violência.
A tensão “ficção-verdade” da imagem em movimento se sustenta na fixidez do(s) fantasma(s) à sombra de uma ausência-presença que fala da / na / para a cidade. A narrativa criada a partir do testemunho de um ex-preso político sustenta o poder falar numa relação de equivalência a instrumento para se chegar à verdade e à justiça. É se (res)sentindo enquanto falta que Juan Carlos se apresentou, em novembro de 2011, durante o percurso pelo roteiro histórico no Centro de Córdoba, convidando-nos a um movimento pelos sentidos de história / memória política recente. E como ressalta Juan diversas vezes: a história recente...
Os planos para o dia seguinte (viajar para conhecer a casa de Che Guevara) foram mudados e o resultado foi um conjunto de imagens (vídeos e fotos) que compõe o filme Palabras que hacen falta. Este não foi o primeiro contato com a memória política da cidade, do país... Seis anos antes, já havíamos presenciado o inflamado debate acadêmico acerca da memória política argentina durante o evento Política y Violencia: las construcciones de la Memoria. Génesis y circulación de ideas políticas en los años sesenta y setenta, realizado pela Universidad Nacional de Córdoba (novembro de 2005). Isso foi apenas o primeiro alerta, pois, na sequência, todas as viagens à Argentina esbarraram em corpos que reivindicavam, acenavam e gritavam causas políticas.
Alguns anos depois, muitas foram as surpresas durante e após o evento Fecundidad de la Memoria (também realizado pela Universidad Nacional de Córdoba, em novembro de 2011). A memória já tocava o movimento urbano enquanto espaço. Os sítios / museus de memória haviam se proliferado. Havia a Lei da Memória. Arquivos e comissões de memória tornaram-se instrumentos de políticas públicas. Há o julgamento e prisão de militares. Um mapeamento já detecta mais de 360 centros clandestinos de detenção. Cemitérios clandestinos revelam a face oculta de um governo. Muitos são os livros, textos, imagens, artigos e depoimentos. Um vocabulário ressignifica os períodos de ditadura militar do século XX: terrorismo de estado, centro de detenção clandestina, genocídio, campos de concentração, etc.
Como relembra Maria Elena Walsh na canção Como la cigarra (e outros, Fito Paez, Leon Gieco, Mercedes Sosa), não podíamos permanecer inertes, pois tudo tomou uma proporção incalculável quando nos deparamos com aquilo que julgávamos ser uma intervenção artística no espaço urbano. Era um final de tarde. O sol não tardaria a cair. O cansaço provocado pelos vários dias de discussão em outra língua (na qual, muitas “palabras”, ainda que repetidas várias vezes, não faziam sentido: “huellas”, por exemplo) somente permitiria uma rápida caminhada para (re)ver o roteiro turístico histórico da cidade. Foi no ato de fotografar a “instalação” sobre a fachada de um prédio com arquitetura antiga que um grito soou como um estalo de dedos: “são digitais”. Descobríamos, então, o que eram as “huellas”.
Enquanto o sol caía, ainda permanecemos olhando as digitais, com a provocação dos efeitos visuais sentidos pelos pedestres no afastar e aproximar das imagens. Foi quando surgiu Juan Carlos e, com algumas “palabras”, nos perguntou o que fazíamos ali. Logo em seguida, ele forneceu algumas informações acerca do que representavam as “huellas”. Percebendo nosso interesse ainda nos convidou para retornar no dia seguinte. Ele não revelou o que encontraríamos. Não importa: àquela hora, nossos planos já haviam sido alterados. Em 24 horas, nos organizamos e coletamos o material que resultou em Palabras que hacen falta.