Americanas
A língua inglesa no Brasil
Dentro da cultura de língua inglesa, é preciso distinguir uma vertente britânica e uma norte-americana. Não dá para se pensar na presença técnica, cultural e comercial, tanto da Grã-Bretanha como dos Estados Unidos, sem passar pelo fenômeno da língua. Embora não se tenha o número exato nem estimado de quantas pessoas falavam inglês, no século XIX, sabe-se que havia cursos dessa língua inclusive como disciplina de currículo escolar. Por conseguinte, a presença inglesa no Brasil no século XIX se dá em vários níveis: educacional, técnico, negocial e político (o Brasil ficou devendo dinheiro para a Inglaterra, tendo assumido as dívidas de Portugal).
Por volta de 1820, embora o idioma francês fosse mais conhecido do que o inglês, no tempo de D. João VI, havia professores régios das duas línguas. Não se sabe ao certo até que ponto as supostas influências inglesas no Brasil, no campo intelectual, por exemplo, não se deram via França, cuja cultura era vista como modelo, pois algumas obras de autores britânicos chegavam ao Brasil traduzidas em francês. Parece que, nessa época, os livros em inglês eram lidos quase que exclusivamente pela colônia inglesa residente no Brasil, agora em maior número, mas as obras mais conhecidas continuavam sendo as francesas.
Os povos de língua inglesa não estão entre os principais grupos imigrantes no Brasil, portanto não têm participação forte no processo migratório. A colônia, no século XIX, não se fez presente em todo o território brasileiro, concentrando-se nas capitais Recife, Rio de Janeiro e Salvador, onde foram instaladas várias empresas, lojas e bancos ingleses. Reconhece-se, no entanto, a influência inglesa no Brasil pela observação da transferência de traços culturais e hábitos, notadamente quanto ao vestuário (uso do chapéu, casacas, luvas confeccionados com tecidos ingleses), objetos domésticos (louças) e moradias (disseminação do uso do vidro nas casas).
Uma das presenças mais concentradas de imigrantes de língua inglesa no Brasil ocorreu em São Paulo, na cidade de Americana, que se tornou importante centro urbano, a partir do estabelecimento de imigrantes norte-americanos, que, nos núcleos imigratórios bem-sucedidos, fundaram propriedades agrícolas algodoeiras e nelas viviam, onde também foram criadas escolas com professores, contratados nos Estados Unidos, responsáveis pela educação de crianças americanas. Tal prática exerceu significativa influência no sistema educacional do Brasil, quanto à metodologia de ensino e ao patrocínio da construção e manutenção de escolas.
Do ponto de vista religioso, os imigrantes americanos procuraram praticar suas crenças, e geralmente atribui-se a eles responsabilidade pela expansão da igreja protestante no Brasil, por meio de cultos celebrados em língua inglesa por pastores que se deslocavam, em trabalho missionário, entre várias propriedades e diversos núcleos de imigração. Na verdade, prática educativa e religião estiveram por vezes inter-relacionadas no estabelecimento de colégios protestantes, que representaram, na segunda metade do século XIX e início do século XX, projetos de divulgação do idioma inglês e expansão da vertente protestante no Brasil, com ensinamentos de cunho liberal, que encontravam simpatizantes brasileiros favoráveis à substituição da mão-de-obra escrava.
A liderança norte-americana no campo do ensino contribuiu para o aumento das chamadas escolas internacionais (instituições criadas para atender à necessidade de educação de famílias estrangeiras, nos níveis fundamental e médio). Hoje, no Brasil, há mais de quinze unidades nessa categoria, algumas fundadas há mais de 90 anos, com quadro docente misto, embora composto, em sua maioria, por professores nativos de procedência norte-americana. Somente algumas adotam o sistema curricular britânico. Essas escolas atendem alunos de classe média estrangeiros e brasileiros, o que coloca a questão da convivência de alunos nativos e não-nativos, com pelo menos duas línguas: inglês e português. Atualmente, não há no país comunidades específicas em que o inglês figure como a única língua de comunicação. Mesmo em contextos onde o idioma é muito presente (igrejas, escolas internacionais, clubes, bares etc.), seu uso pode ser considerado predominante, mas não exclusivo.
Outros contextos nos quais o idioma circulou no Brasil, a partir do século XIX, incluem, no caso da Inglaterra, entidades como a Igreja Anglicana (Holy Trinity Church), com unidades em vários estados brasileiros. Vários clubes de esportes foram fundados por ingleses (geralmente funcionários das empresas presentes no Brasil) e se mantêm ativos até o presente, dentre os quais destacam-se o Pernambuco Golf Club, os clubes de cricket (Recife, Rio de Janeiro e São Paulo) e alguns de futebol, como o Náutico e o Sport Clube do Recife. Além da prática das várias modalidades esportivas, os clubes serviam – e alguns ainda servem – como local de recreação e promoção de reuniões sociais para encontro sobretudo de falantes nativos, muitos deles na condição de expatriados.