Indígenas
Guarani
Língua da família Tupi-Guarani (principal família do tronco (Tupi(Tronco)tupi), o Guarani é falado no Brasil por comunidades indígenas do Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo. Conta também com grande número de comunidades indígenas no Paraguai e na Argentina, e uma de suas variedades, o Chiriguano, é falada na Bolívia. No Paraguai há, também, o Guarani “jopará” (“mesclado”), falado pela população, sobretudo camponesa. Essa ampla dispersão da língua Guarani não é apenas um fato contemporâneo: “do ponto de vista geográfico e demográfico, o Guarani era, às vésperas da chegada dos europeus neste continente, a língua mais geral que se falava na bacia do Rio da Prata” (Melià 1995:15). De fato, no século XVI, a língua Guarani dominava também vasta região do interior dos atuais estados do Sul do Brasil, incluindo todo o litoral ao sul de Cananéia.
Pela dispersão acima descrita, é difícil estabelecer o número de falantes do Guarani, nos seus vários dialetos (mesmo excluindo-se o Guarani paraguaio). Somente em território brasileiro, as estimativas de população Guarani (indígenas) giravam em torno de 35 mil pessoas para o começo desta década (ISA 2000).
Grupos Guarani mantiveram relações, por primeira vez, pelos europeus, já nas duas primeiras décadas do século XVI, contato que foi se ampliando e intensificando nas décadas seguintes. Os colonizadores portugueses os contataram, primeiramente, no litoral sul de São Paulo e, a partir daí, foram descobrindo com as comunidades Carijó mais meridionais, até a costa sul de Santa Catarina (onde começavam os domínios de Espanha). Já os exploradores e colonizadores espanhóis tiveram contato com grupos Carijó também na costa catarinense e, posteriormente, entrando pelo Rio da Prata, na confluência dos rios Paraguay e Paraná e, mais ao norte, com os Carios na região de Assunção. Em meados do século XVI os espanhóis instituíram, no Paraguay, o sistema de “encomiendas”, autêntica escravização dos índios, provocando as primeiras revoltas indígenas do Cone Sul e movimentos messiânicas dos Guarani. Nos dois séculos que se seguiram, grupos Guarani foram alvo de práticas de escravização, caça por bandeirantes e objeto de ação missionária, sobretudo no sistema jesuítico das Reduções. Essas compulsões reunidas, associadas às diferenças que já marcavam parcialidades distinas e, finalmente, afetadas também pelo brusco fim das reduções a partir da metade do século XVIII (que gerou diversos movimentos migratórios), configuraram diferenças lingüísticas e culturais que permitem distinguir, entre os Guarani atuais, pelo menos quatro grandes grupos e dialetos: os NHANDEVÁ, os MBYÁ e os KAYOWÁ, presentes no território brasileiro, e os Chiriguano, presentes na Bolívia.
Os primeiros estudos da língua Guarani datam já do século XVI, mas o primeiro trabalho publicado, e de grande envergadura, foi a obra do missionário jesuíta Antonio Ruiz de Montoya, distribuída em dois conjuntos: Tesoro de la lengua Guaraní (Madrid, 1639) e Arte, y bocabulario de la lengua guarani (Madrid, 1640). A Arte de Montoya serviu de base para publicação de uma nova gramática do Guarani, nas próprias missões jesuíticas, em 1724, por obra do Pe Paulo Restivo (cf. Melià 1993:38-40). O Guarani “jesuítico” operou como língua geral em uma significativa parcela dos domínios espanhóis até o século XVIII, incluindo parte do sul do Brasil. Há estudos lingüísticos recentes a respeito do Guarani registrado por Montoya (Granier 1990, 2002).
Quanto ao Guarani atual, não há como estudá-lo, senão tratando de cada dialeto especificamente, embora as semelhanças estruturais sejam muitíssimas. O Guarani é uma língua de ricos processos fonológicos, particularmente os relacionados à nasalização e harmonia nasal, que já chamaram a atenção de muitos pesquisadores das teorias fonológicas (por exemplo, Rivas 1974; Kiparsky 1985; Piggott 1992). Ao mesmo tempo, possui riquíssima morfologia, operando com marcas flexionais prefixais, além de um conjunto de prefixos e sufixos, quer com funções semânticas, quer com funções sintáticas, podendo classificar-se como língua polissintética. Por um dos critérios da tipologia de Sapir ([1921] 1954), pode-se defini-la como aglutinativo-fusionante. Por ser uma língua que marca o sujeito no verbo, pela flexão, além de marcar também o objeto direto, o Guarani é uma língua de ordem razoavelmente livre, mas observa-se preferência, em vários dialetos, pela ordem SOV (Sujeito + Objeto + Verbo), sobretudo em construções que podem comportar ambiguidade.
Trata-se de uma língua que é escrita desde o século XVI, mas circulam diferentes ortografias, conforme os dialetos e, eventualmente, conforme o país, uma vez que não há mecanismos de pressão unificadora.
No Brasil, há estudos variados a respeito de cada dialeto, bem como extensas e preciosas coletâneas de textos de diversos gêneros. Os mais clássicos são os trabalhos publicados por León Cadogan, sobretudo com narrativas míticas dos MBYÁ (Cadogan [1959] 1992), mas há publicações de narrativas NHANDEVÁ e KAYOWÁ.
Referências bibliográficas
Wilmar D'Angelis