A corpografia diz respeito a uma mudança na noção de língua e escritura como efeito do uso do computador e da internet. Com a linguagem de programação “tudo se torna número”, mostra Herrenschmidt (2007), tendo a língua, assim, que passar por um “tratamento” digital, algoritmizado, que a torna visível na tela.
A noção de corpografia leva em conta essa mudança e procura compreender uma contorção sintática que se dá a partir daquilo que não cabe no código padrão, nem da língua, nem do número, que não pode ser representado por nenhum código digital binário: o corpo, corpo social.
A corpografia diz respeito, pois, a essa apropriação social de um fenômeno técnico, o do computador reservado em seus primórdios aos programadores e especialistas, os únicos capazes de produzir conteúdo para e da internet. Com a popularização do computador e da internet, essa “significação técnica” mudou e, com ela, o corpo social se apropria da própria internet, mudando sua linguagem: corpografia.
Essa apropriação, que é comumente chamada de web social, cria um modo de subverter o sistema representável e de referenciação de dados, tanto da linguagem da máquina quanto da linguagem normativa das gramáticas da língua, derrubando barreiras técnicas de compartilhamento no espaço digital.
A corpografia, ainda, trata de um descentramento anárquico do corpo e da grafia, da língua, da internet. Simulacro do sujeito, da língua, da escrita, do corpo. Essa noção pretende dar conta de pensar sobre o modo como o corpo se inscreve materialmente na rede internet, pela composição daquilo que lhe é impossível e daquilo que é o impossível da língua. O impossível é, portanto, o lugar de encontro entre língua e corpo, na grafia da rede: a grafia como simulacro do corpo.
Essa noção propõe um modo de compreensão da inscrição do corpo na escrita, uma vez que recai sobre a constituição do sujeito conectado onde o corpo e o próprio sujeito são da ordem do simulacro e não da ordem da representação de um referente no mundo.
A corpografia é aquilo que aponta para o irrepresentável que une a língua e o corpo no espaço digital. O que chamo corpografia é, portanto, esse simulacro do corpo na letra, da letra na tela, uma corpografia digital. Um modo de formular o corpo e a língua no digital. Nesse espaço, o real do corpo irrompe daquilo que lhe é impossível enquanto corpo orgânico, e que, no entanto, o constitui, pelo digital, enquanto corpo gráfico. E o real da língua irrompe daquilo que lhe é impossível enquanto sistema sintático, ortográfico, e que, no entanto, a constitui no interdiscurso, inventando uma sintaxe do algoritmo, uma semântica da web. A corpografia é uma língua no interior diferencial da língua, no seu limite agramatical.
:p
;)
Bibliografia
DELEUZE, Gilles. Diferença e repetição. 2 ed. Trad. Luiz Orlandi, Roberto Machado. Graal: Rio de Janeiro, 2009.
DIAS, Cristiane. A discursividade da rede (de sentidos): a sala de bate-papo HIV. Tese de Doutorado. Unicamp/IEL, Campinas, 2004. Disponível em: http://www.bibliotecadigital.unicamp.br/document/?code=vtls000341547
DIAS, Cristiane. Da corpografia: ensaio sobre a língua/escrita na materialidade digital. Série Cogitare. Vol. 8. Santa Maria: PPGL-Letras, 2008.