Esse conceito foi definido por Orlandi, em 1996, no livro Interpretação: autoria, leitura e efeitos do trabalho simbólico, a fim de compreender teoricamente o funcionamento das tecnologias de linguagem a partir do uso do computador e da internet.
A memória metálica diz respeito à circulação, a qual compreende movimentos de repetição, reprodução, replicação, etc.
Para Orlandi (2006), a memória metálica é aquela « produzida por um construto técnico (televisão, computador, etc.). Sua particularidade é ser horizontal (...), não havendo assim estratificação em seu processo, mas distribuição em série, na forma de adição, acúmulo: o que foi dito aqui e ali e mais além vai-se juntando como se formasse uma rede de filiação e não apenas uma soma. Quantidade e não historicidade ». A memória metálica produz, pois, um efeito de filiação.
Se tomarmos como exemplo do funcionamento da memória metálica, os resultados de busca fornecidos pelo Google, temos um acúmulo de ocorrências que nos são apresentadas segundo o algoritmo do Google. Todas as informações são acumuladas na memória metálica e atualizadas segundo o filtro do algoritmo.
Mas a memória metálica não se restringe ao acúmulo de dados na memória do computador, ela também diz respeito ao funcionamento da própria mídia, construto técnico, que também tem seus filtros e que trabalha com a quantidade de informações e sua repercussão global, por meio da repetição, reprodução.
Sabemos que o dizer se constitui na relação com a memória discursiva, na qual as enunciações se estratificam no eixo vertical compondo o saber discursivo que retorna sob a forma da atualização numa formulação.
Mas e quando não há estratificação do dizer no eixo vertical, como fica a atualização?
Se pensarmos na relação memória discursiva e atualidade, sendo a atualidade o que Courtine (1981, p. 53) chamou de “efeito de memória” - porque o que dizemos é efeito do já-dito (e esquecido), numa conjuntura história específica – como situaríamos a memória metálica?
Falar em memória metálica não quer dizer que ao enunciar o dizer não esteja determinado pela história e pela ideologia, pois, como ensina Pêcheux (1981), as circulações discursivas não são jamais “não importa o quê”, como nos querem fazer acreditar. É justamente esse o funcionamento da memória metálica: produzir, pela quantidade, o esvaziamento do sentido do dizer engajado, significante na história. O excesso, a quantidade, sentidos da repetição em série, esvaziam o dizer, submetendo-o a uma existência técnica, replicável no eixo da própria circulação. Daí dizermos as mais curtidas, mais compartilhadas, os trending topics, que se formulam na quantidade replicável dos dizeres. O sentido é da ordem da quantidade não da historicidade desses dizeres. É da instância de sua circulação. Ça circule, nos dizia Pêcheux (1981), referindo-se à “falsa moeda das línguas de vento”.
Levando em conta os três momentos da produção dos discursos, apontados por Orlandi (2001), se a memória discursiva é predominantemente da instância da constituição do sentido, a memória metálica é predominantemente da instância da circulação e de sua atualização filtro, hashtag, meme, feed de notícias, etc.
Na memória metálica, a significação se dá no nível da circulação. Tomando como exemplo o Twitter ou o Facebook, quanto mais atualizações um sujeito fizer em seu perfil, mais visibilidade terá porque aumentará a circulação. Vemos que nesse caso, o ponto de partida para a construção dos sentidos não é a filiação do sujeito a uma rede de constituição, mas a uma atualização e circulação. “Repetição e quantidade, em sua forma binômica” (Orlandi, 2010). O já-dito armazenado que retorna sob a forma da atualização de dados num ultradiscurso e não da formulação do interdiscurso num intradiscurso.
Bibliografia
COURTINE, Jean-Jacques. Quelques problèmes théoriques et méthodologiques en analyse du discours, à propos du discours communiste adressé aux chrétiens. In: Langages, 15e année, n°62, 1981. Analyse du discours politique [Le discours communiste adressé aux chrétiens] pp. 9-128.
ORLANDI, Eni. Interpretação: autoria, leitura e efeitos do trabalho simbólico. Campinas: Vozes, 1996.
ORLANDI, Eni. Discurso e texto. Campinas: Pontes, 2001.
ORLANDI, Eni. Conversa com Eni Orlandi. In. BARRETO, Raquel. Teias: Rio de Janeiro, ano 7, nº 13-14, jan/dez, 2006.
ORLANDI, Eni. A contrapelo: incursão teórica na tecnologia - discurso eletrônico, escola, cidade. RUA [online]. 2010, no. 16. Volume 2 - ISSN 1413-2109.
PECHEUX, Michel. Ouverture du colloque. In. CONEIN, B. et al. (orgs) Matérialités discursives. Lille: Presses Universitaires de Lille, 1981.