Os sentidos de saúde são muitos mas não quaisquer uns em determinadas situações. Uma análise do dicionário Aurélio (2010) nos permitiu observar que “saúde” ali significa “Estado do indivíduo cujas funções orgânicas, físicas e mentais se acham em situação normal; estado do que é sadio ou são.”, sendo também sinônimo de “força”, “robustez”, “vigor”, “disposição”. Esses sentidos do dicionário se ligam ao “indivíduo”, mas não contemplam questões que envolvam mais amplamente a sociedade e os saberes especializados.
A leitura da Constituição brasileira de 1988 nos levou a notar alguns desses sentidos mais amplos, especificamente no discurso jurídico. Assim, temos no texto constitucional:
“Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.” (CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, 2015)
Dentre as medidas estabelecidas desde então está a do Sistema Único de Saúde, que foi amplamente implementada no país, com base nas diretrizes anunciadas na mesma Constituição, a saber: a “descentralização, com direção única em cada esfera de governo”, o “atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais” e a “participação da comunidade”. (Idem, 2015)
A saúde na Constituição é direito (de todos) e dever (do Estado). O imaginário jurídico que se constrói aí é de um “acesso universal e igualitário” à saúde, bem como de um “atendimento integral”. Esse discurso funciona pela enunciação universal dos direitos à saúde, ao acesso, ao atendimento, sem mencionar casos específicos, nem as condições reais de funcionamento da saúde. São essas “ficções” necessárias que fazem funcionar as práticas jurídicas e outras que ela determina.
Uma confrontação desse ideal da saúde com as situações do dia-a-dia nas cidades certamente traria uma profusão de sentidos, mas o que gostaríamos de ressaltar no momento é o modo como a lei maior do país coloca em circulação um vocabulário jurídico da saúde (“direito”, “dever”, “acesso”, “descentralização”, “atendimento integral”), que irá incidir sobre as políticas públicas, os hospitais, a mídia, o cotidiano dos sujeitos.
Assim, a saúde deixa de ser um estado fixado no indivíduo e passa a ser vista em seu movimento (sujeito a falhas), em suas práticas citadinas, relacionada com os sujeitos diversos, com as políticas públicas, com os hospitais, com os profissionais da saúde. Caberia observar, a partir disso, a maneira de esse vocabulário circular na sociedade, a fim de compreender mais amplamente as situações e os discursos em que a saúde é significada.
Bibliografia
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988. Endereço: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em 12 de março de 2015.
FERREIRA, A. B. de H. Novo Dicionário Eletrônico Aurélio versão 7.0. 5ª. Edição do Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. Curitiba: Positivo Informática, 2010.