A palavra segurança é nuclear em nossa sociedade urbana. Na conjuntura política ocidental ela tem se tornado um elemento central para o Estado, ou seja, ela é o antídoto para os litígios instalados na sociedade, assim como na relação entre Estados-Nação. A segurança é uma demanda da opinião pública, em suma, uma política pública e um serviço dos tempos modernos.
Partindo da leitura, observação e análise dos sentidos de segurança, em dicionários de Língua Portuguesa, dos séculos XVII ao XX é possível se pensar, levando em consideração “o como se diz de uma sociedade[i]”, à medida que definimos uma palavra, o processo de construção da história da ideia de segurança. Isso se dá dentro das condições de produção da identidade humana, já que o direito à segurança aparece por volta de 1789, momento em que se publicam as Declarações do Direito do Homem, na França. A ideia de segurança se formula atrelada à ideia de Estado moderno, que nasce entre os séculos XIX e XX.
Assim, em Bluteau, no Vocabulario Portuguez e Latino, do Colegio de Artes da Companhia de Jesus, publicado em Lisboa, em 1712, é possível encontrar três funcionamentos na definição de segurança, isto é, uma “coisa-a-saber”, algo já significado e referido no mundo. Tem-se, desse modo:
“SEGURANÇA. Estado, em que não há que recear maossuccessos. Tuto rerum conditio, onis. Fem. Tutus rerum status.
Com segurança. Vid. Seguramente.
Segurança é sinônimo de “modo de estar” e condição. A segurança é da ordem do receio, o que produz um sujeito do medo.
A segurança de hum intento, ou de h~unegocio. Certa confil||, ou alicujusnegot||exsecutio, onis. Fem. A ultima palavra he de Tacito neste sentido. (Do segredo nasce a Segurança dos intentos. Brachil. De Principes, pag. 221.)
Segurança é algo relativo à ação em uma situação, articulada a prática do urbano, ou seja, o comércio e circulação de bens, mercadorias e pessoas.
Segurança que dão os Principes, & seus Ministros. Vid. Seguro. Da segurança Real, que pode dar o Juiz, o Corregedor da Corte, & como el-Rey dà segurança Real, sem as partes o requererem, quando acontece haver discórdias, &inimizades entre taes pessoas, que haõ abatimento pedilla. Vid. Liv. 3. Da Ordanaç.tit.78.”
Segurança é um conjunto de medidas promovidas por autoridades constituídas ou instituições jurídicas e administrativas. Não menos importante, ela é uma ferramenta acionada quando se identifica o litígio entre as pessoas.
Dentre essas definições, há uma que se repete em um conjunto particular de dicionários do século XVIII. Trata-se de segurança, enquanto um Estado. Em Silva, no Diccionário de Língua Portuguesa, de 1813, SEGURANÇA é um § Estado seguro de riscos, perigos, de mao sucesso, livre de incerteza.Essa ideia se repete e se atualiza na obra publicada por Frei Domingos Vieira, (Dos Eremitas de São Agostinho), no Grande Dicionario Portuguez ou Thesouro da Lingua Portugueza, publicado na cidade do Porto, entre 1871-1874. Ali SEGURANÇA[é], s. f. Estado das cousas que as tona firmes, certas e livres de todo risco e perigo.
É no século XIX que o processo de atualização da palavra, no que diz respeito ao Estado, adquire outro estatuto, ou seja, a de instituição. Prado e Silva, no Novo Dicionário Brasileiro Melhoramentos Ilustrado, publicado em 1964, define segurança como: S. nacional, Dir.: garantia das instituições políticas do Estado proporcionadas pelas instituições militares. S. pública, Dir.: garantia e tranquilidade asseguradas ao individuo e à coletividade pela ação preventiva da polícia.
A noção de Estado (assim como a ideia de ausência de conflito e necessidade da paz, além do uso da força e violência legítima) é essencial para a formulação e funcionamento da ideia de segurança, já que ela será como diz Noberto Bobbio[ii] (2000, p. 515) “a forma de exercício de poder sobre os homens”. A segurança é a garantia de proteção contra um conjunto de ameaças na cidade. No fundamento do Estado está a noção de soberania, de um Estado fundado, como diz Agamben[iii] (2002, p. 155), “sobre a própria vida da nação” cuja função dominante é a tutela do corpo popular. Na história do conceito de segurança, história essa que se formula na língua, tem como essência “um lento e irreversível processo de monopolização do uso da força.” (Bobbio, 2000, p. 557). O monopólio do uso legítimo da força e da violência não tem por objetivo evitar o conflito entre pessoas, mas o de evitar que o conflito entre cidadãos e Estado produza a guerra, portanto instituem-se em nome da segurança do povo e do território forças de segurança, as forças armadas e instituições policiais, que detém dentro do regime estabelecido, o poder da violência legal.
A segurança do povo de uma nação se produz em um sistema político, que ordena a vida e normas jurídicas, em um determinado espaço-tempo. O responsável pelas políticas de segurança é uma autoridade pública, que se legitima por um poder emanado do povo. Na Constituição da República Federativa do Brasil[iv], promulgada no ano de 1988, do século XX, no artigo 144, a segurança pública, é definida como o “dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: I polícia federal; II polícia rodoviária federal; III polícia ferroviária federal; IIV polícias civis; V policias militares e corpos de bombeiros militares”.
Nessa definição tem-se a tutela do corpo e dos objetos que gravitam em um dado espaço soberano. Há uma tutela essa que é da ordem da luta contra um inimigo interno e externo. A necessidade da ordem pública, ou seja, ausência do desentendimento, da ameaça pessoal e coletiva, da vulnerabilidade social produz a necessidade pública da segurança. A segurança pública é a manutenção da ordem de um corpo social divergente. Ela é a aposta semântica da ausência de conflitos no corpo da cidade. A segurança é uma política pública e comercial (já que há empresas especializadas em serviços de segurança - seja ela pessoal, patrimonial e de valores) em que funcionam forças legítimas de violência e controle, estruturas interligadas e com autonomia, para administrar os conflitos e litígios na cidade, nas fronteiras e no mundo.
[i] MAZIÈRE, Francine. O enunciado definidor: discurso e sintaxe. IN: GUIMARÃES, E. (org.). História e Sentido na linguagem. Campinas, SP: Pontes, 1989.
[ii] BOBBIO, Noberto. Teoria geral da política: a filosofia política e as lições dos clássicos. Organizado por Michelangelo Bovero. Tradução Daniela Beccacia Versani. Rio de Janeiro: Elsevier, 2000.
[iii] AGAMBEN, Giorgio. O poder soberano e a vida nua. Tradução de Henrique Burigo. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002.