Os sentidos de lixo têm se deslocado da posição do produtor para a do utilizador, em um processo que tem a ver com o crescimento das cidades e o aumento e diversificação do lixo urbano. Os ecologistas buscam reverter os danos ambientais causados pelo acúmulo de lixo. Surgem novas formas de trabalho (catadores de lixo, agentes ambientais), bem como práticas que relacionam o tratamento do lixo à saúde, à educação, às políticas públicas. Em um dos dicionários disponíveis ao público brasileiro, o Aurélio (FERREIRA, 2000), os sentidos de lixo se voltam para o descarte: " 1. Aquilo que se varre da casa, do jardim, da rua, e se joga fora; entulho." , "2. P. ext. Tudo o que não presta e se joga fora.", "3. Coisa ou coisas inúteis, velhas, sem valor.". O lixo é visto aí como algo sem valor, que se joga fora, sendo sinônimo de entulho ou, mais tecnicamente, resíduo: "Restr. Resíduos que resultam de atividades domésticas, industriais, comerciais, etc.". Há os sentidos que incidem também sobre os sujeitos e a sociedade, como "sujidade, sujeira, imundície" e "fig. V. ralé". Com a industrialização e a ideologia do consumo, o lixo se acumula, levando à poluição do meio ambiente e das cidades. Nas últimas décadas, tem-se considerado mais de perto a posição de quem recebe o lixo e lhe dá uma destinação. Tornaram-se usuais locuções como "reaproveitamento do lixo", “reutilização do lixo, "reciclagem do lixo". O lixo deixou de significar algo que não tem valor, e passou a ser visto como objeto de transformação, de trabalho, de emprendimento, tendo múltiplas destinações: reutilização industrial, criação de novos produtos, produção artística, fonte de energia, etc. Na escola e na mídia, os temas da "reciclagem" e da "coleta seletiva de lixo" se tornaram dos mais presentes. A coleta, antes realizada pelas prefeituras, passou a ser também de responsabilidade de sujeitos cotidianos, moradores, empresários, etc., o que indica as parcerias entre setor público e privado. Em agosto de 2010, é publicada no Brasil a "Política Nacional de Resíduos Sólidos", que propõe a "responsabilidade compartilhada", enquanto um "acordo setorial" entre "o poder público e fabricantes, importadores, distribuidores ou comerciantes, tendo em vista a implantação da responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida do produto". O ciclo de vida do produto compreende, além dos processos de fabricação, a reutilização, a reciclagem, a destinação final dos rejeitos nos aterros sanitários. Assim, desde a "matéria-prima" até a "disposição final", o lixo passa a ser considerado em seu processo de produção, utilização, aproveitamento ou descarte dos rejeitos, ou seja, daquilo que não foi possível reaproveitar. Na conjuntura mundial, o lixo também demanda sentidos de alerta, diante da crescente poluição, e também dos casos de lixo atômico e até de lixo espacial, com o acréscimo de objetos que retornam à superfície após terem sido lançados no espaço. Escapando à organização da cidade, os lixões se multiplicaram nos arredores da cidade, além dos aterros sanitários administrados pelas prefeituras. Tal fato ganhou um dimensão social inesperada, de modo que sujeitos excluídos que frequentam esses locais ou habitam neles tornaram-se símbolos de resistência, por meio de atos simbólicos que metaforizam o lixo como luta pela vida e objeto social, nas fronteiras entre espaço público, moradia, trabalho, tecnologia, inovação, dentre outros espaços de significação. Na poesia, Manoel de Barros re-significa os sentidos de utilização do lixo: "O que é bom para o lixo é bom para a poesia", abrindo para processos de significação que marcam a contemporaneidade.
Bibliografia consultada
BARROS, M. de. Matéria de poesia. 3ª ed. Rio de Janeiro: Record, 1999FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio Século XXI: o Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.
LAGAZZI-RODRIGUES, S.;NUNES, J. H.Discurso e urbanidade: o documentário e o dicionário no espaço da cidade. Revista Brasileira de Letras. Vol. 5, nº 1, pg. 85-93, 2008.
POLÍTICA NACIONAL de Resíduos Sólidos. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/l12305.htm>. Acesso em: 01 de dezembro de 2014.