Revista Rua


Wikileaks: Discurso e confidencialidade em arquivos
Wikileaks: Discourse and confidentiality in files

Andressa Carvalho Silva-Oyama

Nós fornecemos uma maneira inovadora, segura e anônima para vazamento de informações de fontes independentes ao redor do mundo a nossos jornalistas[9]
 
Nesse enunciado, há uma relação entre Wikileaks e jornalismo que não estabelece uma dicotomia: eles dariam informações seguras para que os jornalistas a informassem. Assim, nota-se que, no discurso da própria Wikileaks, eles se assumem como objeto, como o fato a ser relatado, que, por isso, poderia ser revelado e discursado pelos jornalistas.
Em outro trecho da entrevista dada ao TED, ao comentar sobre um relatório de inteligência vazado no Quênia ao público de maneira informal e que teria mudado o rumo das eleições, o entrevistador indaga “Puxa, então o seu vazamento mudou substancialmente o mundo?” e Assange responde “Sim”. Observa-se que o vazamento dado pelo site é atribuído ao fundador. Não há o discurso da coletividade apresentado na descrição do site, que identifica todos os vazamentos como sendo “nós”. A relação de interpretação que se estabelece parece tentar colocar em jogo o que seria silenciado: realmente Assange assume todos os vazamentos? Com sua resposta, o não-dito expõe-se pelo fato de que não foi mencionada a coletividade, os organizadores, nem a própria Wikileaks. Assange se assume como um sujeito que, nesse caso, por quebrar o ritual ideológico de censura do Estado, teria mudado o andamento dos acontecimentos.
Observa-se, então, que Assange empossa o dizer, a autonomia, mostrando-se como um sujeito detentor do poder de expor o que deveria estar oculto. Essa singularização também é dada pela revista Veja:
 
Assange talvez não seja nem o herói nem o vilão da alegoria medieval do bem e do mal. Mas certamente é, nesse momento, o primeiro inimigo público do Estado na era digital – ou dos estados, dos poderes constituídos, do status quo.
 
O discurso novo, sigiloso, sensível, desestabiliza os discursos legitimados. Classifica-se, então, Assange como o inimigo do Estado, do status quo. Classificação essa que remete justamente ao aparato ideológico que dita os silêncios, as relações de poder, o que deve ser dito ou não dito. Como afirma Orlandi:
 
Por seu lado, as relações de poder estão simbolizadas em relações de força presentes no jogo de sentidos. Entra então em cena o desejo de clareza (certeza): faz parte, da encenação retórica do poder, advogar a clareza, a transparência, praticando assim o apagamento, o silenciamento dos outros sentidos possíveis. (2001, p. 154)


[9] No original “We provide an innovative, secure and anonymous way for independent sources around the world to leak information to our journalists.”