Revista Rua


Rumores e sabores de uma feira: Culinária popular e cosmopolitismo banal em Cuiabá
The rumours and flavours of a fair: Popular cuisine and banal cosmopolitanism in Cuiabá

Yuji Gushiken, Lawrenberg Advíncula da Silva e Adoniram Judson Almeida de Magalhães

Receitas constituintes da cidade
           
Cidade de Cuiabá, centro geodésico da América do Sul, eqüidistante do litoral brasileiro no Oceano Atlântico e do litoral hispânico no Oceano Pacífico: entre Lima e Rio de Janeiro, entre Bogotá e São Paulo. No mapa: oeste do país, entre a Bolívia e o estado de Goiás, ao norte de Mato Grosso do Sul, abaixo de Amazonas e Pará, tendo a noroeste Rondônia e a nordeste o Tocantins. Entremeio do perto e do distante, Cuiabá, capital do Estado de Mato Grosso, produziu ao longo de seus quase três séculos de fundação, entre aproximações e isolamento histórico com a nação do litoral, suas singularidades culturais em meio ao cerrado do Centro-Oeste brasileiro.
Singularidades – no plural – apontam para os muitos modos de fazer populares inventados em quase trezentos anos de existência e insistência socioeconômica e cultural. O conhecimento popular em Cuiabá, propriamente invenções de saberes ao modo de astúcias do dia-a-dia, se espraia pelas mais diversas áreas: artesanato, pesca, pecuária, música, dança, vocabulários, sotaques, sociabilidade e culinária.
No caso da culinária, a variedade também é marca dos múltiplos processos de invenção que caracterizam o que hoje, no mundo globalizado, caracteriza-se como comida regional: aquela que, apontada como desvio de rota da comida mundializada, torna-se uma imagem ligada diretamente a uma cidade, uma região, um país. No caso de Cuiabá, num recorte mais precisamente local, a culinária é ela própria uma espécie de distintivo socioeconômico e cultural, na medida em que, suplementada por outros saberes populares, o que inclui as conseqüentes práticas da sociabilidade gastronômica, dão cor e sabor a uma idéia de cidade e seus dotes inventados ao longo da história.[1]
Uma série de reportagens especiais, produzidas e publicadas pelo Diário de Cuiabá, o mais antigo jornal da mídia impressa local em atividade, sugeriu por ocasião dos 281 anos de fundação da cidade, comemorados no ano 2000, realizar uma pesquisa de opinião junto aos moradores do atual município para saber quais eram os principais símbolos da cultura cuiabana. A pesquisa, realizada pelo Instituto UP (Unidade de Pesquisa), entrevistou 990 pessoas entre os dias 20 e 22 de março de 2000. Entre doze


[1] Culinária (s.f) é a “arte e ciência do preparo de alimentos para a mesa, em geral pelo aquecimento, até modificar seu sabor, consistência, aparência e composição química”. Gastronomia (s.f.) é “arte de comer bem, isto é, apreciar os prazeres da mesa e apreciá-los com paladar requintado”. Disponível em: www.dicionariodoaurelio.com.