Revista Rua


Rumores e sabores de uma feira: Culinária popular e cosmopolitismo banal em Cuiabá
The rumours and flavours of a fair: Popular cuisine and banal cosmopolitanism in Cuiabá

Yuji Gushiken, Lawrenberg Advíncula da Silva e Adoniram Judson Almeida de Magalhães

produzidas: pacu, tambacu, piraputanga, pintado, cachara, considerados nos planos cultural e econômico como peixes nobres, servidos à mesa em variadas receitas de assados, fritos e cozidos.
O aumento do número de restaurantes especializados em peixes de água doce se suplementa com os demais que servem as outras variedades da culinária local: comida pantaneira à base de carne-seca, carnes de aves e suínos, cafeterias que servem o “chá-com-bolo”[8], sorveterias que experimentam novos sabores com frutos da região (de bocaiúva, coletada nas matas de cerrado, por exemplo)[9], além dos restaurantes que se propõem reinventar a culinária local em experimentações que conferem um tom contemporâneo, quando justapõe comidas de espaços e tempos diferentes: peixe de água doce grelhado com calda de laranja ou carne-seca temperada com vinho tinto.
À fartura que se insinua na oferta de comida regional se suplementa ainda uma variedade mercadologicamente crescente de restaurantes de comida internacional (árabe, italiana, japonesa, americana, mexicana, chinesa, francesa) e brasileira (nordestina, mineira, goiana, gaúcha, paraense), com oferta igualmente crescente de bebidas que se incorporam ao cotidiano local através de supermercados, a maioria de redes locais, alguns dos quais funcionando 24 horas: cartas de vinhos (chilenos, argentinos, portugueses, italianos, franceses, australianos, sul-africanos, brasileiros), cervejas (alemãs, irlandesas, uruguaias, escocesas, bolivianas, belgas), destilados (poloneses, russos, ingleses, americanos, escoceses).                   
Na medida do desenvolvimento do mercado de alimentação, no qual os saberes da culinária permitem às pessoas uma vasta experiência gastronômica, há também um movimento simultâneo, que inclui a participação não apenas dos restaurantes sofisticados, dirigidos mercadologicamente para a classe média, mas simultaneamente a emergência de um sistema gastronômico popular. No processo de transformar-se num espaço de fluxos, a cidade de Cuiabá simultaneamente testemunha e propicia as condições de emergência de uma gastronomia calcada não apenas nos saberes locais, mas também em saberes populares de outros locais, outras terras, que fizeram da cidade


[8] Os conhecidos cafés ou chás servidos como refeição verspertina país afora ganha em Cuiabá o popular nome de “chá-com-bolo”, pronunciado “chá-co-bolo” no linguajar local.
[9] Em Cuiabá, conhecida por ser a terra das bocaiúvas, uma das primeiras empresas a produzir e oferecer sorvete à base dessa fruta do cerrado foi a Natura Sorvetes, pequena empresa em funcionamento na Praça Alencastro, centro da cidade, criada por descentes de japoneses. Anos depois vieram outras empresas do ramo que também passaram a produzir sorvetes à base da fruta.