Revista Rua


E quando a pichação é da prefeitura? Pichar, proscrever, dessubjetivizar
And what about graffiti done by municipality administration? Spraying, proscribing, de-subjectivating

Bethania Mariani e Vanise Medeiros

sigla em casas de uma favela e de fotografias de moradores nas paredes externas às casas marcadas com a referida sigla. Dois gestos que decorrem de um programa da prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, “Morar Carioca”, programa articulado ao projeto governamental, Projeto Porto Maravilha. Este último se apresenta com o objetivo de recuperação da zona portuária do Rio de Janeiro, articula-se ao “Morar Carioca” e atinge uma favela, Morro da Providência[1], no centro da cidade do Rio.
Nossa análise incidirá sobre estes dois gestos de interpretação inscritos nas paredes das casas, duas marcações: da sigla “SMH” e das fotos dos moradores. Duas materialidades distintas, duas posições em confronto: uma que porta uma impessoalidade, uma vontade de política pública e uma ordem jurídica sem margem para questionamentos; outra que confronta o impessoal da política urbana ao explicitar a subjetivação, ou seja, que dando cara e corpo aos moradores, reivindica uma ética. A análise dessas duas materialidades será entremeada por análises dos relatos dos moradores do Morro da Providência cujas casas foram marcadas.
 
2.
Um arquivo de imagens está em construção no Laboratório Arquivos do Sujeito (www.uff.br/LAS), visando à captura na mídia de fotografias da violência (seja social, urbana, policial, escolar, territorial, entre outras) na sociedade e de formas de resistência a essas violências. Para analisar o arquivo fotográfico que vem sendo construído pelo Laboratório Arquivos do Sujeito, um desafio transdisciplinar se impõe, o qual conjuga a materialidade da letra ao lado da materialidade da fotografia como formas de construção de uma narratividade que se apaga como tal. Um dos tópicos de discussão para o LAS é a compreensão de que a fotorreportagem joga com a ilusão de estar colada a um referente, produzindo o efeito testemunha, de “prova irrefutável” para o relato em questão. 
Em trabalho anterior, (MARIANI & MEDEIROS, 2011), mostramos como a fotorreportagem acena para o relato, para uma narratividade, rompendo com a


[1] Há uma extensa literatura que aponta esta favela como a primeira da cidade do Rio de Janeiro (Davis, 2006, e Campos, 2007, Risério, 2012, para citar algumas fontes). Em dois dos sites trabalhados – http://www.cultureisyourweapon.com/2011/06/providencia-inside-out, em língua inglesa, e http://rioonwatch.org.br/?p=2808 –, também se encontra a história da formação da favela: abrigos provisórios por combatentes da guerra de Canudos (final do século XIX) à espera de moradia prometida pelo governo. Denominada incialmente “Morro da Favela”, em função de uma planta lá existente conhecida como favela, passa a abrigar, posteriormente, escravos libertos que lá se juntaram aos moradores primeiros (http://rioonwatch.org.br/?p=2808).