Revista Rua


E quando a pichação é da prefeitura? Pichar, proscrever, dessubjetivizar
And what about graffiti done by municipality administration? Spraying, proscribing, de-subjectivating

Bethania Mariani e Vanise Medeiros

um “processo de truncação”, isto é, palavras formadas de letras iniciais de palavras. Se no Houaiss ela é marca, em Cabré já a temos como palavra. Pensando-a discursivamente, diremos que a sigla consiste em uma dobra sobre a palavra cujo funcionamento complexo – de “truncação da palavra” que se transforma em letra, de letra que se transforma em sílaba e de sílaba que se transforma em palavra outra – opacifica a palavra que nela, sigla, resultou. Sua força reside no seu funcionamento: apagamento e esquecimento da palavra outra ao mesmo tempo em que se instaura como palavra outra. Diferentemente de outros processos de formação de palavras, em que se acresce ou se subtrai afixo e com eles se deslocam sentidos, na sigla a palavra se apaga para virar letra que vira palavra outra, passível de derivações como qualquer palavra. Palavra sobre palavra cuja ilusão reside na redução à letra. A sigla vale pelas palavras outras e, nesse processo de substituição da palavra pela sigla, inscrevem-se duas posições discursivas: a de quem produz, gesto sobre o dizer; e a do outro, instado a ler a sigla em sua opacidade e a dar sentidos àquilo que a redução apaga. Sem esquecer que, se uma sigla é uma marca, em nossa sociedade uma sigla é também um logotipo e uma assinatura (rubrica). Personaliza um produto, uma empresa, um governo, uma instituição.
O que isso significa? A resposta nos sites e blogs é “Secretaria Municipal de Habitação”[3], uma expressão que, em blogs  de moradores, comparece com o equívoco “Secretário Municipal da Habitação” em lugar de “Secretaria Municipal da Habitação”; equívoco que retira o gesto do estado da impessoalidade ao dizer “secretário”.
SMH, uma sigla pichada, ou seja, uma pichação-sigla-assinatura do Estado sobre a moradia popular: casa marcada para ser demolida. Uma sigla que possui a autoridade do estado sobre a moradia: marca que condena a casa e proscreve o morador.  
Poderíamos propor, aqui, que, para os moradores do morro da Providência, essas siglas, enquanto marcas nas casas, em sua opacidade enigmática para a maioria dos moradores, funcionam com efeito de uma pichação. Pichação que os moradores sabem ter sido feita por um órgão público.
Do ponto de vista do poder instituído, compreende-se a pichação – “com seus estranhos sinais gráficos” (ORLANDI, 2004, p. 110) - como sujeira nas paredes dos muros, dos monumentos e das casas, ou pode ser lida como marcas que delimitam


[3] Em alguns sites e blogs, comparece ‘Secretário Municipal da Habitação” em lugar de “Secretaria Municipal da Habitação”. Para nós, analistas de discurso,  este equívoco, falha no dizer, produz sentidos: retira o gesto do estado da impessoalidade ao dizer “secretário”.