Revista Rua


E quando a pichação é da prefeitura? Pichar, proscrever, dessubjetivizar
And what about graffiti done by municipality administration? Spraying, proscribing, de-subjectivating

Bethania Mariani e Vanise Medeiros

salientando é que faz parte da cidade a marcação do espaço com escrita própria de um certo pertencimento. As marcações nas cidades são inscrições das alteridades no urbano.  São marcações com valor de nomeações que escrevem e inscrevem, histórica e socialmente no urbano, processos de identificação, contra-identificação e desidentificação (PÊCHEUX, 1979 [1988)].
Assim, a disposição e o número de tijolos (ou ladrilhos) na fachada de uma casa em Paraty, por exemplo, era compreensível para membros da maçonaria. Ou ainda, o número de beirais em casas dos séculos XVIII e XIX, em Ouro Preto e Olinda, era indicativo do poder aquisitivo de seu dono. Antigas igrejas romanas, por sua vez, eram construídas e ostentavam as armas do papa eleito na ocasião, registrando em suas fachadas os movimentos da história do cristianismo. Entretanto, é importante dizer que essas variadas formas de escrita e inscrição não têm o mesmo valor e nem devem ser compreendidas da mesma forma.
Com a crescente urbanização, todo um aparato de painéis, outdoors e placas surge e é imposto pelo Estado conforme as cidades se ampliam e vão necessitando de regulamentações propostas por uns poucos, mas valendo e normatizando a vida de todos. Pichações e grafites, por sua vez, guardadas as diferenças entre ambos, e o alegado valor artístico atual conferido apenas ao segundo, são manifestações contemporâneas de desenhos, letras, siglas que colocam em circulação uma resistência e um enigma aos poderes que organizam os sentidos do urbano.  Siglas enigmáticas, palavras e frases – moradores do Rio de Janeiro na faixa dos 50 a 60 anos devem se lembrar da frase “Celacanto provoca maremoto”, pichada em muros da cidade no final dos anos 70, assim como pichações políticas durante a ditadura militar, e siglas, como CV (Comando Vermelho), ou outras, ainda –, mostram que o espaço arquitetônico urbano pode ser lido como um texto. Nossa proposta aqui é ler esse texto discursivamente, considerando a cidade como um corpo habitado, ‘habitado’, aqui, no sentido que lhe dá Heidegger: “(...) habitar é o traço fundamental do ser-homem”.
Minimamente, pode-se afirmar que as inscrições nas casas, que são nosso objeto de estudo, colocam em jogo relações de força antagônicas no que diz respeito ao espaço urbano da cidade do Rio de Janeiro. Pode-se filiar essas marcas, inscritas sem a autorização dos moradores, às marcas do “bota abaixo” da reforma Pereira Passos, ou, se recuarmos ainda mais no tempo, às marcas que apontavam quais moradores deveriam deixar suas casas para a coroa portuguesa que vinha para o Brasil em 1808.
Há uma escritura social inscrita no corpo urbano. Ou, dito de outra maneira, há