Revista Rua


E quando a pichação é da prefeitura? Pichar, proscrever, dessubjetivizar
And what about graffiti done by municipality administration? Spraying, proscribing, de-subjectivating

Bethania Mariani e Vanise Medeiros

inscrições no urbano que decorrem de uma escritura do social: seja de uma escrita institucional normativa, restritiva e ordenadora, seja de uma escrita que porta as marcas dos que resistem ou formam lugares sociais fora da normatividade urbana.
Se fazem parte da cidade mudanças, reformas, derrubadas e marcações delimitando espaços, nos relatos dos sites e dos blogs, duas memórias são retomadas para as marcações advindas pelo estado: uma que diz do Brasil (“D. João vai chegar e precisa de casas para sua corte”); outra que remete à condição dos judeus na Segunda Grande Guerra (“voltamos ao Nazismo, onde as casas dos judeus eram pintadas com suásticas”). Ambas recuperam as marcações que excluem: em um caso, um povo; em outro, aqueles que aqui habitavam e que tiveram de ceder suas casas à corte. Em um, o gesto totalitário do Nazismo; em outro, o gesto autoritário do Estado.
 
4.
Ao lado da opacidade visível da sigla – que se mostra e, ao mesmo tempo, que vela aquele que ali assina –, pintada em azul em tamanhos variados e à mão, outra materialidade a ladeia: a foto do morador. Fotos enormes expõem rostos em preto e branco[4] dos moradores - crianças, velhos, adultos – cujo suporte é a parede externa da casa, ocupada em sua quase totalidade. Não há intervenção de legenda, não há escritura em volta que as identifique, explique ou narrativize.  Assim, as fotos propõem um enigma e uma abertura nas interpretações para aqueles que desconhecem a memória de sua inscrição nas paredes das casas.  Mas também, ao mesmo tempo, postas em silêncio nas paredes, elas narrativizam pelo simples fato de estarem ali: produzem gritos de protesto e trazem para o exterior aqueles que ali habitam, aqueles que estão no interior dando-lhes visibilidade. Sua força é dar a conhecer aqueles que lá habitam no movimento inverso da sigla e do número que dessubjetiva.  As fotos singularizam aqueles que lá habitam no movimento inverso da sigla que mortifica; em seu suporte parede-externa-da-casa produzem ainda outro efeito: se personalizam com os closes dos rostos, a ausência do nome mantém, contudo, o anonimato que protege. Não se trata um morador identificado, mas de qualquer um, integrante ou não daquela comunidade que poderia ocupar aquela posição social.


[4] Flusser (2011, pag. 60-61) nos lembra que as primeiras fotografias eram em preto e branco e que a cor longe de consistir numa captura “verdadeira” é uma vitória da química. Por exemplo, “o “verde do bosque fotografado é imagem do conceito ‘verde’, tal como elaborado por determinada teoria química. O aparelho foi programado para transcodificar tal conceito em imagem.” (Ibidem, p. 60). É interessante porque problematiza pela cor o senso comum da fotografia como arte mimética por excelência.