Revista Rua


E quando a pichação é da prefeitura? Pichar, proscrever, dessubjetivizar
And what about graffiti done by municipality administration? Spraying, proscribing, de-subjectivating

Bethania Mariani e Vanise Medeiros

A sigla vem ao lado de um número (indicativo de quantas casas foram marcadas para serem derrubadas. Mais de mil). Com a foto, as casas se singularizam em relação à ordem e à ordenação imposta com os números que compõem a sigla pela prefeitura da cidade: número que identifica ao mesmo tempo que desubjetiva os moradores. 
Um álbum de família é, seguindo Sontag (2004), uma crônica visual da família. Os rostos expostos nas fotos, colados nos muros das casas do Morro da Providência, funcionam, diremos, como a escrita de uma crônica social atravessada pela memória dos moradores tecendo o complexo laço entre o singular de um rosto familiar – morador de uma casa – e o social – morador de uma casa que será demolida.
Ainda conforme Sontag, “desde quando as câmeras foram inventadas, em 1839, a fotografia flertou com a morte” (2003, p. 24); isto é, desde o início a fotografia produziu imagens para a guerra, para o choque, para a morte. Horror, exaltação ou denúncia sempre fizeram parte de sua prática. Embora tal prática inscreva-se numa suposta perseguição de uma objetividade da realidade, sabemos que não são quaisquer corpos que são fotografados (eles têm nacionalidade e classe social, por exemplo) tampouco qualquer guerra ou qualquer horror. A foto enquadra, como lembra a autora, e, ao enquadrar, exclui, inclui, produz imagens, que se inscrevem em redes de memória. Do ponto de vista discursivo, diremos que as fotografias (se) inscrevem em redes de memória discursiva, em que o lembrar se faz na tensão com o esquecer.
Com as fotos, os moradores se inscrevem no corpo da cidade ao mesmo tempo em que escrevem uma denúncia e produzem um movimento de resistência[5] – no caso resistência à demolição das casas – que se faz pela intervenção artística. Fotos que escrevem imagens de rostos de cidadãos simples e comuns, despercebidos por serem cidadãos do nosso cotidiano, mas que, nelas, ganham contornos outros por serem objeto de intervenção artística. Expõem seu desamparo e sua fragilidade no corpo social-urbano; suas imagens promovem (ou podem promover) o efeito de solidariedade diante da perda da casa, de vergonha diante da impotência de sua condição social.
A concepção moderna de resistência, segundo Birman, em sentido amplo, é “uma força que se opõe a outra que ataca do exterior a um certo território” (2006, p. 323), ou seja, resistência é aí significada como reação. O que Birman irá destacar é que a oposição ação versus reação começa a se configurar nos tempos modernos – até a alta


[5] São fruto de uma intervenção artística ocorrida em maio de 2011, inserida em um Projeto Inside-Out, que tem proposta dar visibilidade a questões sociais no mundo A intervenção não apareceu na grande mídia impressa. As fotos podem ser vistas em sites internacionais e brasileiros. Um deles é: http:www.insideoutproject.net/