Revista Rua


Subjetividade e discurso: a representação da língua (indígena e portuguesa) para professores Terena
Subjectivity and discourse: the representation of language (Indian and Portuguese) to Terena teacher

Alessandra Manoel Porto e Vânia Maria Lescano Guerra

Bauman (2005, p. 38) assevera que a identidade do indivíduo moderno passa por um enfrentamento, que ele denomina ambivalência das identidades, “bênçãos ambíguas”, pois estas “oscilam entre o sonho e o pesadelo, e não há como dizer quando um se transforma no outro”. Essa concepção instiga-nos a trazer em pauta os estudos de Guerra (2010, p. 72) sobre o indígena sul-mato-grossense, como sujeito que se encontra num “entre-lugar identitário, nesse entre-espaço cultural e histórico: nem branco, nem bugre”.Esse sujeito, diante das complexidades sociais, das pressões da sociedade hegemônica, mas também como sujeito do desejo do outro, são sujeitos sucumbidos, segundo a teoria do mito Narciso-Vampiro, introduzida por Eckert-Hoff (2008):
 
Narciso é símbolo da atitude autocontemplativa, introvertida e a absoluta que aflige o sujeito [...] é a incapacidade de reconhecer o outro, alerta para a ilusão da inteireza, para a fascinação do eu que se afoga em si-mesmo-no-Outro. O mito do Vampiro [...] é a incapacidade de reconhecer a morte: a morte é, ela mesma, a ausência de significado, a impossibilidade de simbolização. (ECKERT-HOFF, 2008, p. 68)
           
O duplo Narciso-Vampiro representa a dualidade vivida pelo sujeito, ora como desejo de mostrar-se ao outro, ora como receio de não ser visto. Esse posicionamento de se mostrar e de se esconder remete-nos à metáfora do camaleão, também discutida por Eckert-Hoff (2008), cujo aspecto da alteração das cores nada mais é que uma camuflagem de proteção contra o inimigo, ou seja, de uma ação ideologicamente engendrada de retaguarda – às vezes deixa de ser um (índio/L1) para ser outro (branco/L2) e vice-versa.
A dualidade, acentuada pela política linguística dos Terena, ancora-se nos reflexos do bilinguismo diglóssico e compulsório estudado por Nincao (2008), a partir da teoria de Ferguson: o fenômeno ocorre numa situação em que há, no cenário, duas línguas, sendo uma minoritária e outra majoritária. Podemos asseverar que tal ocorrência instiga o sujeito à escolha de uma língua ao invés da outra e que as causas fundantes dessa escolha não são aleatórias; elas se ancoram nas relações de poder construídas ao longo da história, tanto pelas ideologias da sociedade dominante (com ênfase no poder público), como também nas estratégias ideológicas de sobrevivência das comunidades étnicas, que nem sempre são respeitadas quando optam por fazer uso da língua portuguesa (MAHER, 2006). A “escolha” da L2 ao invés da L1 no início dos aldeamentos instiga o indígena do século XXI a rever a opção, em virtude do