Revista Rua


Subjetividade e discurso: a representação da língua (indígena e portuguesa) para professores Terena
Subjectivity and discourse: the representation of language (Indian and Portuguese) to Terena teacher

Alessandra Manoel Porto e Vânia Maria Lescano Guerra

Inicialmente, apresentamos o discurso de SP1, que, via memória discursiva, a partir do questionamento “Professor, como você vê a relação dos Terena com a língua materna (L1) e a língua portuguesa (L2)?”, faz menção à escolha da L2 pelos antepassados, refutando a L1 por temor quanto ao futuro da etnia. Tanto em relação ao passado como ao presente, a L2 é, no entanto, concebida em seu discurso como recurso estratégico de controle (defesa e sobrevivência) para o enfrentamento da sociedade dominante, a saber:
 
SP1- [...] a língua portuguesa... primeiro pra defesa... segundo pro próprio comunicação... com o mundo do branco... né:... [...] defesa no sentido assim... ah: se... se eu não sei nenhuma língua... como... não falo... nem entendo a língua portuguesa como é que eu vou comunicar com você... que eu vou me defender... [...] ...e até mesmo de defesa atualmente hoje... serve sim... a língua é importante porque por exemplo se nós tamo num mundo... a:... branco... [...]:... então nessa preocupação os pais também já... começaram em casa falar um pouco da língua portuguesa pra quando eles chegar na escola eles não tenha uma grande dificuldade como os pais passaram... para exatamente... questão profissional... questão de integração... questão de relacionamento com outras pessoas que não seja Terena... então: é isso é... fundamental...  na época foi uma perda para nós... mas foi uma estratégia... digamos assim... de sobrevivência do povo Terena.
 
Podemos constatar, no discurso de SP1, a referência à L2 como meio estratégico dos Terena para ter acesso ao “mundo do branco”. O discurso é marcado, ideologicamente, a partir da materialidade linguística – defesa, defender, questão profissional, questão de integração, questão de relacionamento, estratégia, perda e sobrevivência –, pelo discurso de guerra ou batalha, em que se trava uma luta contra um inimigo. Por meio da escolha lexical, analisamos o teor do discurso de SP1: como a L1 é considerada característica primeira para demarcar a identidade indígena, a L2 configura-se como “ameaça”, representando o branco e, assim, aprendê-la ou refutá-la provoca um conflito identitário interior; daí todo o discurso ser permeado por escolhas lexicais que nos remetem a um discurso de combate.
A sequência discursiva surge como uma marca de tensão, característica das práticas discursivas, pois a defesa proposta pelo sujeito é algo ameaçador, mas que deve ser enfrentado; caso contrário, haveria consequências maiores. Desse modo, compreendemos, à luz das ponderações de Foucault (1990), que o discurso não é neutro; ele ganha força no centro de uma prática discursiva com o objetivo de fomentar a verdade. A “batalha”, referendada pelo sujeito, é enunciada, via memória discursiva, materializada pelos itens lexicais na época e atualmente hoje. Embora SP1, nesse excerto, não relate os acontecimentos que o fazem dividir seu discurso, na linha do tempo, em dois marcadores temporais distintos, depreende-se que ele afirma ser uma estratégia utilizada pelo povo Terena em relação ao fato de a língua ser falada numa situação de mobilidade, tanto no passado como no presente: defesa e sobrevivência da etnia, já que as relações com a sociedade dominante não poderiam ser mais evitadas.