Revista Rua


O que quer, o que pode um discurso? O que quer, o que pode esta foto?
What a discourse want, what it can do? What this photography want, what it can do?

Viviane Teresinha Biacchi Brust e Verli Petri

 
A língua é minha pátria
E eu não tenho pátria, tenho mátria
E quero frátria
(Caetano Veloso, Língua)
 
 
Primeiras palavras
 
Para intitularmos o estudo que ora empreendemos, encontramos, em alguns dos versos da canção Língua de Caetano Veloso, possibilidades de interpretação que nos levam a múltiplos caminhos e, com isso, a um espaço aberto para nosso (livre) pensar e, consequentemente, para o nosso parafrasear. “O que quer/ o que pode esta língua?” são palavras em versos e em canto que nos tomam pelos olhos, mas também por outros sentidos. Pelos olhos, a palavra escrita, a estrutura poética, os recursos de estilo, o paralelismo e a paráfrase, que troca o verbo querer pelo poder, deixando os dois à deriva... à deriva dos (outros e possíveis) sentidos, direcionados, depois, à questão da língua; pelos ouvidos, a palavra (en)cantada[1], que, junto a instrumentos musicais que ritmizam para movimentar e desacomodar, traz, no seu tom, a ironia, o agridoce, do que agride e do que adoça, em forma de pergunta, jogando-nos também à palavra língua, acentuada ao extremo, pronunciada com a boca escancarada, para que seja, desse jeito mesmo, ouvida; pela pele, a tessitura do texto e a textura da voz, que nos toca e sensibiliza, colocando-nos na maciez de um berço-origem de/para pensar, enquanto nos embala/envolve para nunca nos deixar dormir. Se o poeta canta, referindo-se à “Flor do Lácio Sambódromo Lusamérica latim em pó”, brincando, sambando, misturando, metaforizando com as palavras, avaliamos que podemos, a partir de seu verso-pergunta,  retomar as palavras que fez suas e dizer da nossa questão: o que quer, o que pode um discurso? e o que quer, o que pode esta foto? Para justificar esse exercício parafrástico, em que trocamos a palavra “língua” pela palavra “foto”, sem deixar de passar pela/passar a palavra “discurso”, ancoramo-nos na disciplina de interpretação denominada “Análise de Discurso”, que vai ter sua fundação na França do final dos anos 1960 com Michel Pêcheux e continuidade no Brasil dos anos seguintes com Eni Orlandi e outros, também relevantes teóricos. É desse campo teórico-metodológico que nos embasamos para compreender língua e discurso, sujeito, história e  memória. Nosso objetivo final, depois de revisitar essas noções, é ler uma diferente materialidade


[1] Interpretam a canção, além do seu compositor, Caetano Veloso, a cantora Elza Soares.