Revista Rua


Memória, narrativa urbana e favela: efeitos de sentido em um videoclipe
Memory, urban narrative and favela: effects of meaning in a videoclip

Lucia M. A. Ferreira*, Andréa Rodrigues**

Na letra da música, a inversão e a consequente des-interpretação da favela como espaço de droga e criminalidade se revelam nos deslizamentos de sentidos já regularizados:
 
Favela Fashion Week[2]
Claytinho Persona, Nego Branco, Manu
 
O verão na favela parece um desfile de moda
A viela vira passarela
O bagulho é fora
do comum
Cada peitinho, cada bumbum
 
Na descida do morro a rapa escolhe a mais bela
Tem pra todos os gostos, gordinha, sarada e magrela
É um zum, zum, zum
e na plateia eu sou mais um

No Carrão, no Capão, Guacuri, Paquistão e na Vila Prudente
tá assim de modelo, aspirante a miss
São várias pretendentes
Cantagalo, Mangueira, Rocinha, Alemão e Cidade de Deus
Tem gente desfilando
eu só fico olhando
o jurado sou eu 

Nosso morro é coisa chique
é Favela Fashion Week
Sobe lá pra você ver
Nosso morro é muita treta
nossa Gisele Bundchen é preta
e ela faz acontecer
 
O termo “bagulho”, frequentemente relacionado à droga, à coisa ruim, à mulher feia, em “o bagulho é fora do comum” na letra da música é reinterpretado positivamente como algo fora de série. Da mesma forma, “treta”, geralmente associado à malandragem e à trapaça é, como atributo para o morro, ressignificado positivamente como descolado, legal, bacana ‘nosso morro é muita treta’.  Na imagem, os sentidos convergem na construção dessa positividade. Ao chegar ao final da passarela, as meninas, sempre alegres e sorridentes, passam a sambar, juntando-se aos espectadores que as aplaudem e cantam o samba com o grupo Reunião de Amigos.