Revista Rua


Memória, narrativa urbana e favela: efeitos de sentido em um videoclipe
Memory, urban narrative and favela: effects of meaning in a videoclip

Lucia M. A. Ferreira*, Andréa Rodrigues**

equívoco, marcas da relação da materialidade significante com a exterioridade, a história e a memória.  Orlandi nos mostra que é na relação tensa e às vezes indefinível entre os dois eixos que constituem o movimento da significação –a paráfrase e a polissemia – que melhor se observa a abertura do simbólico.
O objetivo do exercício de descrição/interpretação que ora empreendemos é observar, na imbricação dos diferentes sistemas significativos que compõem o vídeo – o musical, o verbal e o imagético –, o trabalho da paráfrase e da polissemia, os dois eixos basilares do processo de significação, e as redes de memória que ele convoca. Admitir a abertura do simbólico não significa que o processo de significação não seja administrado, controlado. Como nos lembra Pêcheux, (2002, p. 56), o discurso “não é independente das redes de memória e dos trajetos sociais nos quais ele irrompe ... todo discurso marca a possibilidade de uma desestruturação-reestruturação dessas redes e trajetos”. 
 
Narratividade urbana no videoclipe Favela Fashion Week
 
Ao propormos uma reflexão acerca de uma narrativa urbana, é preciso considerar que esses relatos se inscrevem em um espaço de memória onde são textualizados sentidos sobre o sujeito e sua relação com o espaço e os objetos simbólicos que o circundam. Se a cidade é construída de modo homogeneizante e transparente na mídia hegemônica, em um discurso sobre o urbano, outras formas de textualização permitem que se percebam flagrantes de uma narratividade que vai além do sobre a cidade, permitindo que se enxergue o espaço silenciado, muitas vezes invisível na mídia, mas onde se inscreve, no simbólico, o real da cidade.
Jeudy (2005, p. 82) nos diz que a fotografia contemporânea procura mostrar o que a cidade parece esconder. Acreditamosqueo mesmo possa ser dito acerca do cinema, mas o que se constata é que a cidade em sua fragmentação e totalidade escapa à representação. Como afirma, mais uma vez, Jeudy (2005, p. 81), “a cidade excede a representação que cada pessoa faz dela”, se oferecendo e se retraindo segundo a maneira como é apreendida, materializando-se na interseção dos sistemas simbólicos que a significam.
O cinema já produziu um grande número de narrativas em que a favela, seus moradores e a relação com o mundo do asfalto são continuamente des-interpretados e ressignificados. Desde os primeiros filmes em que se destacava a riqueza cultural,