Revista Rua


A deriva de sentidos de "Terra da luz" no pós-governo mudancista: Uma análise do vídeo Ceará, terra da luz
The drifting of meanings of "Terra da Luz" in the post-changing government: an analysis of the video Ceará, Terra da Luz

Aline Maria Freitas Bussons

Desta forma, em Fortaleza, formava-se um público de possíveis leitores das produções dos intelectuais abolicionistas que se agremiavam em academias e institutos – especialmente na Academia Francesa do Ceará, de 1872, e no Instituto Histórico, Geográfico e Antropológico do Ceará, criado em 1887 – contudo, simultaneamente, no restante da província, o flagelo dizimava a população, o gado e a vegetação por falta de chuva. E foi entre a seca e a urbanização de Fortaleza que o Ceará passou a ser chamado de “terra da luz”, expressão geradora de efeitos de sentidos que projetavam um estado moderno e civilizado, para o resto da nação, ao mesmo tempo em que silenciavam as mazelas da seca (idem). 
Os sentidos de “luz”, no momento em questão, não se articulam, portanto, às condições climáticas cearenses, pois o sol, justamente aí, passa a ser discursivizado como um tirano.  O sol aparece como um inimigo do cearense a partir da seca de 1877. Devido à crise do algodão nos Estados Unidos, nos finais do século XIX, o Ceará passa a plantar e exportar esse produto, de forma que vão se formando por todo o interior da província fazendas de algodão. As fronteiras destas propriedades privadas vão limitar o nomadismo do sertanejo que, antes, a despeito da falta de chuva, encontrava água em outros rincões.  Deste modo, só neste momento, a seca começa a ser entendida enquanto calamidade pública; e o sol, o grande causador da seca, passa a ser discursivizado negativamente (Neves, 2007: 77-78). A alcunha “terra da luz” produz, portanto, nos finais do século XIX, sentidos de modernidade e civilização, projetando uma imagem positiva de um Ceará digno de ser inserido no país por seus atributos sociais e não climáticos.
Dos finais do século XIX até hoje, o dizer “terra da luz” atravessou mais de um século, e sendo linguagem, enquanto tal produtora de sentidos em seu encontro com a história, traz, em sua constituição, a tensão entre o mesmo e o diferente, entre paráfrase e polissemia. Conforme Orlandi (2009, p.36):
 
...todo o funcionamento da linguagem se apresenta na tensão entre processos parafrásticos e processos polissêmicos. Os processos parafrásticos são aqueles pelos quais em todo dizer há sempre algo que se mantém, isto é, o dizível, a memória. A paráfrase representa assim o retorno aos mesmos espaços do dizer. Produzem-se diferentes formulações do mesmo dizer sedimentado. A paráfrase está ao lado da estabilização. Ao passo que, na polissemia, o que temos é o deslocamento, ruptura de processos de significação. Ela joga com o equívoco.