Revista Rua


Havia uma Canudos no "Pinheirinho" em São José dos Campos: Sentidos da ação policial no espaço urbano.
War of Canudos relived in Pinheirinho: meanings of police action in urban space.

Anderson de Carvalho Pereira

No caso analisado, vemos pulsar em âmbito mais amplo, várias questões dispersas, ao nível do real das “coisas a saber” (cf. PÊCHEUX, 1997) ou mesmo do real mítico (cf. PÊCHEUX, 1999), posto que destas sempre se tem apenas formulações ou formas sociais provisórias e ilusoriamente permanentes da condição dos sujeitos falantes. Afinal, resta saber: o que (não) fazer com esta atividade simbólica constitutiva e premente, em que o espaço coletivo é marca social das contradições e interpretação ao mesmo tempo de um enigma coletivo cuja matriz psicanalítica é “por que não nos matarmos uns aos outros”?
Infelizmente, a decifração deste enigma toma a forma de um isolamento dos espaços de troca e debate, fruto da hipertrofia da Personalidade democrática; portanto, há um efeito ideológico de separação entre questões de âmbito coletivo e interesses privados e narcísicos na apropriação privada da questão da habitação como questão pública.
Assim, os dilemas acima apresentados se movimentam em função da “democracia”, apesar da inexorável violência que acoberta seu personalismo. A este respeito Rancière (1995, p. 191) contribui com seu ensaio sobre a maneira pela qual “um pensamento da democracia se ligou a um pensamento do espaço e do território”. O filósofo francês denuncia os tentáculos da democracia tocquevilleana norte-americana como excepcional porque nesta, idéias comuns saem de um pensamento comum, como clamor de um espaço virgem para se alocar a liberdade individual total, apagando o pressuposto incontornável de que qualquer espaço é espaço político. Ao destacar esta estranha metáfora utilizada por Tocqueville, Rancière (op.cit. 192) arremata com ironia que se toma:
o espaço simbólico americano como espaço da invisibilidade integral e da semelhança infinita. Uma vez mantido o princípio, a igualdade das condições, vê-se tudo. Tudo é identicamente repetição do princípio. A igualdade é uma estrutura do visível: a igual visibilidade do semelhante. A América é o lugar da visibilidade perfeita das condições e é o lugar que se assemelha infinitamente a si mesmo.
 
Mas qual a relação entre esta concepção de espaço e a democracia? Rancière (op. cit., p. 94) afirma ser a realização excepcional da democracia, ou seja, sua realização “na forma de seu desaparecimento”. Parafraseamos o autor para sinalizar que do ponto de vista discursivo, é como se fosse possível desdizer o político, ou estabelecer uma marcha de inércia aos discursos que significariam o espaço urbano numa harmonia geométrica pura, sem contradições. Isto porque “a América é a realização exemplar da democracia. E é a realização de uma democracia exemplar que liquida a questão da democracia” (op. cit., p. 194).