Revista Rua


Havia uma Canudos no "Pinheirinho" em São José dos Campos: Sentidos da ação policial no espaço urbano.
War of Canudos relived in Pinheirinho: meanings of police action in urban space.

Anderson de Carvalho Pereira

Urbanidade e visibilidade: a consolidação de uma “Personalidade democrática” no espaço urbano
Do ponto de vista da memória discursiva não é à toa que começamos pelo trecho em destaque, de cuja reflexão resulta o propósito maior expresso no título deste artigo. Wissenbach (1999) explica que o que ocorre em Canudos, ao final do século XIX no Brasil é um marco para situarmos a discussão sobre as cidades brasileiras da época e, acrescentamos, discussão esta atualizada nos dizeres acima.
O caráter da cidade imprevisível, em Canudos, ameaça as autoridades republicanas por meio de seus “fanáticos religiosos” e de seu afronte à ordem religiosa e estatal, cujas bases políticas, científicas e morais se encontravam no positivismo francês e no darwinismo social inglês inspiradores da República. Isto porque nas grandes cidades consolidadas já se consolidava uma roupagem de aglomerações étnicas por meio da detecção de quais aspectos de desordem citadina em cortiços, vilas, áreas consideradas insalubres são lidos pelas autoridades e setores dominantes como ameaça à organicidade da ordem pública (WISSENBACH, 1999).
Em meio a esses interesses da intelectualidade e da classe dominante em torno do início da República é que temos o marco da construção social da favela, a partir da derrocada dos cortiços e o acuo no “Morro da Favella” ou Morro da Providência, onde muitos ex-combatentes de Canudos se instalaram e clamaram pelo pagamento dos soldos devidos pelo governo da época (VALLADARES, 2000). Isto porque, explica Wissenbach (1999), a favela já havia sido uma designação para o morro onde as tropas do governo haviam se estabelecido e de onde se avistava o arraial de Canudos.
Wissenbach (1999, p.96) ainda lembra o papel dos cronistas dos jornais da época; são eles que: “observam que as primeiras habitações do morro da Providência foram sendo criadas a partir de acampamentos de ex-combatentes da Guerra de Canudos” sendo que “a eles se juntaram os sobreviventes de Canudos, centenas de mulheres e crianças trazidas para a capital federal”.
Valladares (2000) explica que este morro tornou-se então marco de uma onda migratória dos pobres na cidade e lugar para onde se voltaram as atenções da vigilância sanitária e os empreendimentos de limpeza social das autoridades da época, marcando uma mentalidade dominante sobre a pobreza e a habitação urbana; além disso, a autora traça um percurso de como os relatos de jornalistas em geral e de Euclides da Cunha já teciam analogias entre topografias de terreno e principalmente um modus vivendis entre o arraial de Canudos e as favelas cariocas, numa política de ação social de seus moradores em que a apropriação de um território de “todos e de ninguém” subvertia a “ordem” imposta pelo Estado.