Revista Rua


Havia uma Canudos no "Pinheirinho" em São José dos Campos: Sentidos da ação policial no espaço urbano.
War of Canudos relived in Pinheirinho: meanings of police action in urban space.

Anderson de Carvalho Pereira

Uma primeira sequência discursiva é a seguir apresentada a partir da interpretação do estranhamento do uso do anonimato para se referir aos moradores do bairro Pinheirinho em oposição à nomeação clara e precisa dos diversos agentes policiais. Esta diferença de nomeação clara para o anonimato é visivelmente marcada pela diferença entre a zona de sentidos instalada com o uso do verbo “prender”. Vejamos a SD1:
Com a decisão do tribunal estadual, a expulsão da comunidade “Pinherinho” teve início no domingo (22) às 6 horas da manhã. Mais de 2 mil pessoas e guardas civis metropolitanos chegaram ao local com um aparato de guerra. Eles utilizaram carro blindado para abrir caminho, seguido da Tropa de Choque e da equipe da ROTA (tropa de elite de São Paulo). Dois helicópteros Águia também foram utilizados na operação. (...) A resistência do Pinheirinho durou até o dia seguinte, quando os últimos moradores foram retirados de suas casas. 30 pessoas foram presas durante a operação, entre elas vários dirigentes dos movimentos sociais (29/1/2012, retirado do site “autogestão.org”, acesso em: 3/5/2013; grifos nossos)
 
Nesta SD, chama a atenção que a nomeação referente a uma parte específica do grupo de moradores (dirigentes dos movimentos sociais; grifo nosso) aparece apenas após o uso do verbo “prender”; instala-se uma zona de apagamento da memória discursiva. Isto porque, de um lado, nomeiam-se os “órgãos oficiais” (guardas civis metropolitanos; Tropa de Choque; equipe da ROTA (tropa de elite de São Paulo); Dois helicópteros Águia); de outro, a voz anônima dos dirigentes, cuja retroação se ancora na voz anônima dos moradores representados por estes, segue um processo discursivo em que o anonimato é oposto à nomeação dos órgãos oficiais.
Somado a isto, a nomeação que aparece com a modalização “tropa de elite de São Paulo” configura legitimidade à ação por conta da similaridade com as ações semelhantes nos morros cariocas e também pela possível deriva do sentido de “elite” para “classe sócio-econômica mais abastada”.
Na análise de Courtine (2006, p. 78-79) sobre o discurso comunista endereçado aos cristãos, a referência à nomeação aparece como um “sinal irredutível de diversidade”; o autor completa: “a estrutura de uma classe referencial desse tipo explica a produção de efeitos do real por um sujeito”.
Quer dizer, mesmo em se tratando de sentidos provisórios, temos um lugar de evidência para a “ação policial”, inclusive pela aparente sinonímia com “operação” (deriva possível, pelo deslizamento metafórico de uma verticalidade que sustenta essa ação, num nível de transversalidade discursiva); provisórios porque o real não cessa de insistir sobre um resto, abertura esta ligada aos outros sentidos possíveis em deriva como acontecimento do discurso (PÊCHEUX, 1997).