Revista Rua


Havia uma Canudos no "Pinheirinho" em São José dos Campos: Sentidos da ação policial no espaço urbano.
War of Canudos relived in Pinheirinho: meanings of police action in urban space.

Anderson de Carvalho Pereira

Sem marcar de forma mais clara quem eram os agentes da resistência, no caso, os moradores, o relato segue com a designação “resistência do Pinheirinho”, num processo de alienação ao sentido dominante que confere legitimidade à ação policial pela visibilidade dos nomes e siglas oficiais amparadas por uma “equipe”, somando-se a isto o fato de que o trabalho em equipe mobiliza o sentido de cumprimento eficaz de um dever, o que em tempos de valorização do homem “gerencial”, “manager” de si mesmo potencializa um efeito de sentido dominante.
A resistência de uma “voz anônima” (COURTINE, 1982) ou de um nome genérico em que não se discriminam “as pessoas” a que se refere é oposta à nomeação dos “órgãos oficiais”, de modo que se tem a consolidação de um domínio de memória sobre a ação policial. Nas palavras de Courtine (2006, p. 79), aparece uma articulação conceitual e uma questão crucial que pode ser compartilhada no caso do corpus aqui analisado:
a função interdiscursiva como domínio de memória permite ao sujeito, portanto, o retorno e o reagrupamento de enunciados assim como o seu esquecimento ou apagamento. Primeiramente, isso deve conduzir-nos a interrogar as modalidades da constituição de séries de formulações no interdiscurso: como um espaço de repetições se inscreve em um conjunto desigualmente estratificado do discurso? (COURTINE, 2006, p. 79)
 
Adiante, temos que a marcação se especifica após o relato da prisão de pessoas, em “entre elas, vários dirigentes de movimentos sociais”. Nota-se ainda o uso da nomeação “dirigentes” para se referir às lideranças envolvidas; é este um processo de substituição que joga com uma atualização dos sentidos em torno de “movimentos sociais” também atravessados por discursos transversos acerca do campo semântico sobre trabalho e sociedade de modo mais geral; assim, o “líder” do movimento social, termo que sustenta um sentido mais ligado ao pertencimento e a assunção em meio ao coletivo passa a ser o “dirigente”; num movimento de troca e substituição, cuja retroação com o sentido dominante é o de conferir naturalidade a uma espécie de “tecnocracia” ou de “profissionalização” inclusive dos movimentos sociais. Em resumo, de um lado, “a equipe da ROTA”; de outro, os “dirigentes dos movimentos sociais”.
A seguir continuamos a apontar de que forma as diversas formulações encontradas na imprensa por meio do uso dos significantes há pouco apresentados sustentam gestos de interpretação, cujos efeitos de sentido se dão em torno da apropriação simbólica do real do espaço, senão por meio de crenças imaginárias linearizadas em efeitos de encaixes, pré-construídos e discursos transversos.