Revista Rua


Espaços urbanos como arenas de (trans)formações identitárias na literatura contemporânea
Urban spaces as arenas of identity (trans)formations in contemporary literature

Ricardo Sobreira

A relação entre o ser humano e o espaço urbano passa necessariamente pelo reconhecimento de que a interação de ambos engendra subjetividades. Nesse sentido, pode-se presumir que a construção identitária do sujeito seja feita a partir de bases territoriais (cf. VÉRAS, 2004, p.119).
Partindo dessa premissa, nosso trabalho empreende uma leitura dos sentidos que se constituem e que circulam nos espaços, sobretudo os urbanos, plasmados artisticamente pela narração literária contemporânea. Por essa razão, elegemos como objeto de estudo o conto ficcional “Coalinga 1/2 Way” (2002),[1] do escritor Sam Shepard. Esse autor norte-americano tem se destacado pela associação de uma densa carga emocional a grandes centros urbanos como a cidade de Los Angeles, Califórnia.
Buscando compreender analítica e teoricamente o espaço urbano da metrópole americana como arena de (trans)formações e deformações identitárias pelo viés da recriação literária de um reconhecido artista contemporâneo, optamos por dividir o presente trabalho em quatro partes, a saber: na primeira seção, revisitamos alguns estudos especializados (HALL, 1987, 1992; RINCÓN, 1995; BAUMAN, 2004) e, a partir disso, procedemos a uma delimitação teórica de três concepções distintas de subjetividade/identidade (sujeito do Iluminismo, sujeito sociológico e sujeito pós-moderno) com as quais operamos a fim de evitar equívocos de ordem terminológica. A segunda seção, intitulada “Representações literárias de construtos identitários”, será dedicada a uma breve apresentação do escritor em pauta e de suas produções artísticas com o objetivo de demonstrar como Shepard, em sua vasta produção, tem representado o referido espaço urbano como um cenário de fragmentações de identidades e de perdas subjetivas profundas. Na terceira seção, encontra-se a análise propriamente dita do conto “Coalinga 1/2 Way”, na qual retomamos as três concepções teóricas de sujeito e de identidade discutidas na primeira parte com o intuito de mostrar como a cidade de Los Angeles (CA) é representada como um mesocosmo que contribui decisivamente para o descentramento da subjetividade humana e para a fragmentação de sua identidade. A última seção destina-se à breve retomada de aspectos estudados ao longo do percurso de análise e às considerações finais.


[1] Esse conto foi publicado em português brasileiro sob o título de “Coalinga – metade do caminho” (SHEPARD, 2003). Nossa análise baseia-se, entretanto, na versão original em inglês.