Revista Rua


Espaços urbanos como arenas de (trans)formações identitárias na literatura contemporânea
Urban spaces as arenas of identity (trans)formations in contemporary literature

Ricardo Sobreira

Conforme observa Wetzsteon (2006), os dilemas das personagens de Shepard são vivenciados em um espaço emocional (p.7) e, por essa razão, devemos entender cada etapa do deslocamento do protagonista pelas várias localidades como elemento simbólico que indicia o desfacelamento do sujeito centrado. O tema da viagem em geral revela muitos aspectos da vida dos seres ficcionais e pode evocar traços do destino humano em um sentido mais amplo, pois a jornada tem muitos significados não apenas em termos de contrastes entre cidades e paisagens, mas também no que diz respeito aos sentimentos e às transformações experimentadas pelo viajante. No território ficcional de Shepard, “o local em que [um indivíduo] cresce e vive molda de forma invisível a maneira como este pensa, percebe a realidade e relaciona-se com o ambiente” (DEROSE, 1992, p.58). Por essa razão, as personagens do autor tendem a encarar o deslocamento dessa rede de familiaridade como uma “fonte de grande perturbação pessoal”, capaz de deixar a “psique [...], de uma maneira misteriosa, em desarranjo” (DEROSE, 1992, p.58). Dessa maneira, lemos o deslocamento do protagonista em ao menos dois sentidos: o afastamento do protagonista de um ambiente de familiaridade (local de residência) rumo a um outro de completo estranhamento (Los Angeles); e, em um nível mais simbólico, e, portanto, não literal, pois desapegado em relação a uma temporalidade rígida, a trajetória de deslocamento da ideia de sujeito centrado rumo a uma concepção pós-moderna de identidade. Nesse sentido, o motivo da viagem figura como metáfora do caráter necessariamente móvel da identidade. Silva (2005) explicita essa noção nos seguintes termos:
 
Embora menos traumático que a diáspora ou a migração forçada, a viagem obriga quem viaja a sentir-se ‘estrangeiro’, posicionando-o, ainda que temporariamente, como o ‘outro’. A viagem proporciona a experiência do ‘não sentir-se em casa’ que, na perspectiva da teoria cultural contemporânea, caracteriza, na verdade, toda identidade cultural. Na viagem, podemos experimentar, ainda que de forma limitada, as [...] inseguranças [...] da instabilidade e da precariedade da identidade (p.88, grifo nosso).
 
Nos textos de Shepard, a condição pós-moderna, por meio de seus elementos artificiais e fragmentários situados sobretudo nas grandes cidades americanas, instaura uma conjuntura social e cultural extremamente desfavorável para o sujeito humano e para os ideais de autenticidade e de unidade do oeste americano cristalizados no imaginário nacional desde o final do século XIX. Dessa maneira, podemos afirmar que Shepard é um autor que pode ser associado ao pós-modernismo, porém, que, ao mesmo tempo, produz textos que, de maneira paradoxal, resistem e opõem-se à pós-modernidade. Suas peças e contos com frequência projetam sentimentos de insatisfação