Revista Rua


Espaços urbanos como arenas de (trans)formações identitárias na literatura contemporânea
Urban spaces as arenas of identity (trans)formations in contemporary literature

Ricardo Sobreira

públicos. Desse modo, o conto associa o desconforto físico e emocional do protagonista, percebido por meio das imagens mobilizadas pelo texto, aos processos inerentes à modernização avançada.
O contraste entre a aridez naturalmente cinza do vale e o design funcional, tecnológico da cabine telefônica, por exemplo, incomoda de maneira profunda o protagonista: “o [...] modernismo [do telefone] enoja-o; faz com que ele se sinta ainda pior, mais distante” (p.11, grifo nosso). Nesse sentido, Coalinga emerge como um espaço emocional que representa as instabilidades e deslocamentos intrínsecos à modernidade. Nesse espaço emocional, o sujeito percebe que os discursos, valores e significados que estruturam sua comunidade de identificação estão perdendo a estabilidade. Essa perda é sugerida, no plano da ficção, pelas turbulências da família nuclear, pelo crescente desligamento da natureza, isto é, pelo seu próprio deslocamento físico e afetivo da antiga rede de familiaridade.
O texto projeta, nesse segundo momento, uma concepção sociológica de sujeito, pois, embora este se encontre imerso em ansiedades e perdas subjetivas complexas, ainda busca estabelecer uma interação com outro sujeito significativo e tem a percepção de si mesmo como um todo unificado. No tocante à narrativa, esse sentido é sugerido na passagem em que o protagonista “vê a si mesmo à distância nesse momento, como se estivesse olhando de uma grande altura, como da perspectiva de um falcão: um homem minúsculo em um espaço vasto, agarrando-se a um pedaço de plástico preto” (p.15). Essa mirada privilegiada (do alto, através da visão aguçada da ave de rapina) de si mesmo como um sujeito inteiro, “suturado” a uma estrutura maior, que, mesmo em crise, ainda é capaz de lhe oferecer segurança e firmeza, reforça a relativa unidade da condição moderna.
(iii) No entanto, ao aproximar-se do terceiro momento da narrativa, alguns desses aspectos são abalados não só pela consolidação do deslocamento do sujeito de sua rede de familiaridade, mas também pela entrada no território pós-moderno. Se The Waste Land em certa medida expressa o “horror” de Eliot em face da crescente obliteração de aspectos da natureza na cultura urbana moderna (GREGSON, 2004, p.118), a arte de Shepard, por sua vez, assume uma crescente preocupação com a perda total desses elementos pelo sujeito na pós-modernidade.
No caso de “Coalinga 1/2 Way”, o local que concentra a cultura, os símbolos, valores e imagens pós-modernos é obviamente Los Angeles, ponto de chegada do protagonista. No domínio teórico recente, Los Angeles aparece em geral como a