Revista Rua


Espaços urbanos como arenas de (trans)formações identitárias na literatura contemporânea
Urban spaces as arenas of identity (trans)formations in contemporary literature

Ricardo Sobreira

cosmópole pós-moderna por excelência ou, como define Edward Soja, o “mesocosmo da pós-modernidade” (1989, p.244; 1995, p.128). Widmer (1998) explica que isso se deve ao fato de que L.A. caracteriza-se por uma intrínseca “instabilidade geográfica” devido ao seu potencial para um apocalipse cinematográfico. Segundo o autor, a cidade está situada sobre uma falha geológica, o que faz com que a população sinta-se constantemente “ameaçada de aniquilação por forças da natureza como terremotos e o deserto [Mojave]”. Tremores diários fazem com que a população lembre-se com frequência da ameaça do Big One, o grande epicentro que varreria definitivamente a cidade do mapa. A analogia com o pós-moderno deve-se ao fato de que a cidade em si evoca, além da ideia de instabilidade, uma imagem de “horizontalidade, [devido à] sua vastidão, sua falta de centro” (WIDMER, 1998, p.3). Por essa razão, Davis (1992) observa que Los Angeles tem sido progressivamente simbolizada como uma “‘anticidade’, [uma espécie de] Gobi dos subúrbios” (p.47).
No contexto específico da produção artística de Shepard, Los Angeles costuma figurar como um local repleto de evocações disfóricas, pois este território, que no passado era caracterizado pela natureza rústica, foi “engolido” pelos subúrbios, cuja paisagem circundante não é mais dominada por vales, mas por autoestradas e outdoors, servindo de abrigo à indústria de “ilusões” cinematográficas de Hollywood (CLUM, 2002, p.177). A ocorrência mais intensa dessa ideia encontra-se na peça Angel City (1976), em que Los Angeles é representada como um monstro que “está comendo [as pessoas] vivas” (SHEPARD, 2005, p.71). Essa ameaça de devoração possui tanto um sentido figurado — o risco de aniquilamento do indivíduo em virtude da exploração do artista pela indústria cinematográfica ou da corrupção moral da cidade — quanto um sentido literal: algumas das personagens têm a pele “carcomida” por algum tipo de radiação emitida pela metrópole e, ao final, algumas acabam se transformando literalmente em monstros esverdeados (SHEPARD, 2005, p.108). Mais tarde, em um microconto sem título, publicado na coletânea Motel Chronicles, Shepard volta a referir-se a Los Angeles como a “serpente enorme e enlouquecida”: “Sua boca aberta repleta de presas, os olhos faiscantes, paralisada em um bote de pura paranoia” (1982, p.121).
A Los Angeles de “Coalinga 1/2 Way” é inanimada. Entretanto, não deixa de pulsar com seres ficcionais e imagens que fornecem um contraste em relação à antiga rede de familiaridade do protagonista. As ruas dessa cosmópole do cinema entretêm