Revista Rua


Espaços urbanos como arenas de (trans)formações identitárias na literatura contemporânea
Urban spaces as arenas of identity (trans)formations in contemporary literature

Ricardo Sobreira

Analisando por esse ângulo, é possível argumentar que o conto de Shepard acompanha a fragmentação do ideal de sujeito centrado, que resulta em uma multiplicidade de identidades temporárias e instáveis que evocam as características do sujeito pós-moderno (cf. HALL, 1992, p.277). A pergunta — “Para onde eu devo ir?” (p.18, grifo nosso) — repetida, ao final do conto, pelo protagonista à outra mulher ressoa como um indício de desorientação. No entanto, isso se deve menos a uma dificuldade de mapear cognitivamente a cidade pós-moderna do que a uma crise de identidade resultante da percepção do sujeito de que o “lugar” na estrutura social que esperava ocupar (ou “suturar-se”) não se encontra disponível. Como atesta Bauman (2004), a junção de fragmentos de valores, culturas e relações sociais em um todo coesivo e totalizante, a que damos o nome de identidade, não é mais possível (p.53).
Entretanto, a frustração dessa expectativa sofrida pelo protagonista não gera um grande abalo em seu ânimo. Mesmo em momentos de perdas subjetivas intensas, como no instante em que abandona a rede de familiaridade e penetra na terra devastada de Coalinga, o protagonista parece incapaz de esboçar sentimentos autênticos. Estes são reduzidos a simulacros de sensações como dor — “Ele quer sentir alguma coisa. Pressiona o salto de uma bota com força contra o bico da outra” (p.14) — ou arrependimento: “O cheiro forte e o calor estão fazendo seus olhos lacrimejarem. Ele esfrega a manga da camisa sobre eles e crê por um segundo que está chorando de verdade; acredita que o gesto tem a ver com algum tipo de tristeza” (p.14-15).
A perda da capacidade de expressar sentimentos ocorre de maneira crescente na medida em que o protagonista vai deixando de se constituir como um sujeito centrado ou completo. Um mês antes de deixar a esposa, ele ainda era capaz de sentir emoções como fervor e excitação (p.16), bem como medo e repugnância ao chegar a Coalinga (p.11). No entanto, conforme ele se aproxima da metrópole pós-moderna, não há quase nenhuma materialização de sentimentalidade. Durante o telefonema final, por exemplo, quando o protagonista se dá conta de que seus planos foram frustrados, tampouco há comoção por parte do protagonista. Embora se sinta obviamente confuso, ele não reage com a típica violência masculina encontrada no universo ficcional do autor. O narrador limita-se a fornecer uma imagem de queda, que sugere a decepção da personagem, ao