Revista Rua


Espaços urbanos como arenas de (trans)formações identitárias na literatura contemporânea
Urban spaces as arenas of identity (trans)formations in contemporary literature

Ricardo Sobreira

4. Considerações finais
Com Véras (2004) compartilhamos da noção de que “a cidade é um símbolo complexo, que exprime a tensão entre a racionalidade geométrica e o emaranhado da existência humana” (p.119). Com vistas a uma compreensão, ainda que contextual e provisória, dessa interação entre homem e espaço urbano, fomos buscar no domínio da arte literária formas de representação artística onde a identidade se instanciasse por meio de bases territoriais.
A ficção do escritor norte-americano Sam Shepard tem mostrado ao longo dos anos uma relação bastante produtiva no tocante à associação de sentidos poéticos a determinados ambientes rurais e urbanos da América. Como espaços emocionais, esses espaços simbólicos, que coincidem muitas vezes com lugares empíricos, emergem como cenários de formação, deformação e transformação de identidades.
Por essa razão, nosso trabalho vale-se de pressupostos teóricos, sobretudo da crítica literária e da sociologia, bem como de outros saberes, para tentar articular conceitos tão complexos e, em nosso tempo, tão fluidos como identidade e sujeito (cf. HALL, 1987, 1992; RINCÓN, 1995; BAUMAN, 2004) à leitura do objeto estético e sua vinculação com o espaço urbano. Em posse de três conceitos teóricos distintos de manifestações identitárias (os sujeitos do Iluminismo, sociológico e pós-moderno), procedemos à análise interdisciplinar das três grandes transformações de ambiente e de personalidade sofridas pelo protagonista do texto literário “Coalinga 1/2 Way”, de Shepard.
Por meio dessas análises, observamos que a passagem da personagem principal por três diferentes espaços urbanos exerce impacto direto sobre sua identidade, que deixa de ser centrada e uniforme, quando este ainda está junto à sua família e comunidade, e passa por estágios de progressivo questionamento até chegar à crise total e ao descentramento, quando o protagonista atinge o final de sua jornada — a cosmópole pós-moderna por excelência, Los Angeles (cf. SOJA, 1989, 1995).
Essa progressiva fragmentação da identidade unitária em identidades múltiplas e conflitantes vivenciada pela personagem reflete-se no espaço urbano da grande metrópole californiana, que é representada, tanto em “Coalinga 1/2 Way” como em