Revista Rua


Espaços urbanos como arenas de (trans)formações identitárias na literatura contemporânea
Urban spaces as arenas of identity (trans)formations in contemporary literature

Ricardo Sobreira

O sujeito reflexivo, centrado e unitário das Kritiken de Kant e das abstrações de Max Weber teria sido substituído [na pós-modernidade] por um cambiante sujeito descentrado, difuso e fragmentário, que se move em um espaço que já não está socialmente estruturado de uma maneira binária. Com isso, a questão da constituição de identidades também foi reformulada (p.111, grifo nosso).
 
Por essa razão, o caráter frágil e temporário das identidades humanas é em geral percebido como a chamada crise de identidade, cuja precipitação se deve à derrocada da soberania e influência dos chamados “monopólios de interpretação” (SANTOS, 2000, p.89), representados pelas instituições mediadoras (e suas narrativas mestras) que tinham como papel principal fornecer referenciais sólidos para o processo de individuação dos sujeitos. Lyotard, como sabemos, associa esse declínio das instituições a uma crise geral de legitimação das narrativas mestras. Segundo o pensador, a recente “incredulidade em relação aos metarrelatos” constitui um sintoma da possibilidade sem precedentes de se “questionar a validade das instituições que regem o vínculo social” (1988, p.xvi).
Hall distingue, nesse contexto, a produção de um “sujeito pós-moderno”, concebido como desprovido de uma identidade fixa, essencial ou permanente (1992, p.277). Isto é, um sujeito encarado como ponto de convergência e divergência simultânea de identidades contraditórias, que o impulsionam em diferentes sentidos, forçando-o a intercambiar posições de sujeito como se fossem peças do vestuário. Nesse sentido, Bauman sugere que o mais sensato na pós-modernidade (ou “modernidade liquida”, como o autor prefere definir a dominante cultural contemporânea) seria a possibilidade de “vestir” identidades como “uma capa leve pronta a ser tirada a qualquer momento” (2004, p.30).
Trocas de identidade, fragmentações da personalidade e sujeitos instáveis, que vagam sem rumo por metrópoles pós-modernas, são alguns dos temas que têm dado a tônica do universo ficcional de Sam Shepard desde o início de sua produção artística. No que segue, discutimos brevemente como essas questões são plasmadas literariamente pelo autor norte americano.
 
2. Representações literárias de construtos identitários
Autor de uma produção dramática e de uma ficção em prosa orientada em favor de instabilidades lógicas, alinearidades temporais e experimentalismos formais (cf. ROUDANÉ, 2002), Sam Shepard tende a explorar criticamente em suas peças e contos os aspectos míticos da cultura americana, bem como as contradições entre passado