Revista Rua


Espaços urbanos como arenas de (trans)formações identitárias na literatura contemporânea
Urban spaces as arenas of identity (trans)formations in contemporary literature

Ricardo Sobreira

histórico e presente, entre o real e o ilusório e entre as condições materiais e a dimensão espiritual da existência humana (GRAY, 2011, p.320-322). Suas personagens, sejam dramáticas ou não, tendem a emergir não como sujeitos integrais, compostos por uma lógica de caracterização e de motivação, mas como seres ficcionais fragmentários, construídos a partir de colagens de identidades, temporalidades e emoções, como improvisações de jazz (SHEPARD, 2006, p.61-62).
O autor tem realizado a maior parte de suas atividades criativas nos palcos, para os quais já escreveu, montou e publicou mais de quarenta e cinco peças, dentre elas Angel City (1976), True West (1980), Fool For Love (1983), A Lie of the Mind (1985), Simpatico (1994) e Buried Child (1978), vencedora do Prêmio Pulitzer de Melhor Drama. Por seu trabalho no teatro, Shepard tem se consolidado como um dos principais expoentes do drama americano da segunda metade do século XX (cf. SIEGEL, 1982, p.236; COHN, 1988, p.1118-1119; SHEWEY, 1997, p.4; ZELLAR, 2002, p.1; JAMES, 2002, p.30; GRAY, 2011, p.319-322).
Em sua extensa carreira no cinema, cabe mencionar seus roteiros para os filmes Paris, Texas (França, Alemanha, EUA, 1984) — dirigido por Wim Wenders e premiado com a Palma de Ouro no Festival de Cannes — e Estrela Solitária (Don’t Come Knocking, EUA, Alemanha, 2005) — também dirigido por Wenders e protagonizado pelo próprio Shepard.
Paralelamente às carreiras de dramaturgo, roteirista, ator e diretor, Shepard, a partir dos anos setenta, tem se dedicado à publicação, ao menos uma vez a cada década, de uma coletânea de textos diversos, predominantemente em prosa. Esses trabalhos incluem as coletâneas Hawk Moon (1973), Motel Chronicles (1982), Cruising Paradise (1996), Great Dream of Heaven (2002) e Day Out of Days (2010). Com exceção de Great Dream of Heaven e Cruising Paradise, que são coletâneas de contos, os demais livros, além de contos, incluem também relatos, crônicas, poemas e monólogos.
Essas narrativas literárias, em especial as coligidas em Great Dream of Heaven, tematizam sensações de nostalgia e de ansiedade em decorrência dos processos descontrolados de urbanização sofridos pelo velho oeste americano, um território selvagem conhecido por seus cânions e desertos, mas que foi “tragado” pela progressiva fúria empreendedorística das incorporadoras imobiliárias. O progresso e a suburbanização do espaço ocasionaram a substituição das paisagens naturais por autoestradas, motéis, redes de restaurantes especializados em fast-food, cassinos e condomínios. Esse avanço da chamada América pós-moderna contribuiu para tornar