Revista Rua


Personagens nas ruas do Rio de Janeiro do século XIX: leitura de A moreninha (1844) e O moço loiro (1845), de Joaquim Manuel de Macedo (1820-1882)
Characters in the streets of Rio de Janeiro of the nineteenth century: a reading of A moreninha (1844) and O moço loiro (1845), by Joaquim Manuel de Macedo (1820-1882)

Joelma Santana Siqueira

A passagem reporta-nos tanto à visão do homem jovem sobre a mulher solteira quanto a questões relacionadas à condição dessa mulher na sociedade brasileira do século XIX. A esse respeito, Ubiratan Machado (2001, p.256) destacou que abrir as janelas da casa foi uma das mais importantes vitórias da mulher para atenuar sua condição servil, na década de 1840, pois tornando-se janeleiras, “as jovens namoravam quem queriam, tramavam fugas com os amados, ganhavam forças e astúcias para resistir às imposições paternas”.
O tema da condição da mulher na sociedade aparece no romance de modo reivindicatório pela personagem Carolina, a moreninha, que é defensora dos direitos das mulheres e leitora de Mary de Wollstocraft, autora de Direito das mulheres e injustiça dos homens, obra traduzida em 1832 por Nísia Floresta, considerada precursora dos ideais feministas no Brasil. Trata-se de um tema recorrente na obra de Macedo.
O segundo romance do escritor, publicado em 1845, narra o roubo de um bem de família, supostamente, por um jovem neto da matriarca. A essa história vem juntar-se os episódios de um moço loiro misterioso que coteja uma jovem dessa mesma família, prima do suposto ladrão. Os encontros fortuitos entre os dois jovens ocorrem em ocasião de festa e passeio, nos famosos saraus, quando as casas da elite abriam as portas para a apreciação pública, fazendo com que, como escreveu Maria Ângela D’Incao (2004, p.228), os salões funcionassem como “espaços intermediários entre o lar e a rua”, tanto para as mulheres quanto para os homens. Para elas porque, de acordo com o narrador desse segundo romance, seu grande campo de batalha “é pois a noite de sarau”, onde podem se ostentar por inteiro “desde a flor do cabelo até o bico do sapato” (ML, p.70)[3], e não pela metade, como no camarote dos teatros, ou de relance, como no passeio público; e para os homens porque ali também se discutia negócios e política.
Há nesse segundo romance muito mais referências aos espaços públicos do Rio de Janeiro. O primeiro capítulo começa em um fim de tarde do dia 06 de agosto de 1844, com o tempo “chão e bonançoso” e o Pão de Açúcar com sua cabeça “desnublada”. A primeira cena se passa na Rua Direita, que, como nos diz o narrador,


[3] Todas as citações da obra O moço loiro dentro dos parágrafos foram referidas por meio da abreviação “ML” e página.