Revista Rua


Uma enunciação sem comunicação: As tatuagens escriturais
An utterance without communication: the scriptural tattoos

Marie-Anne Paveau

Que as tatuagens escritas sejam legíveis não resta dúvida, algumas delas, eu retomarei, são mesmo marcadas pela dêixis, o que as torna altamente “enunciativas” à maneira standard. O que me parece (re)interrogar, como são as modalidades de leitura e de decifragem, que não são muito evidentes para a teoria standard da enunciação e a deixa supor, que retiram da função de comunicação sua evidência (sobre este ponto ver a introdução de Banfield, 1995, que faz uma refinada análise crítica do dogma de comunicação nos 1960 e 1970, e os trabalhos de G. Philippe que permitem relativizar o que ele chama de “todo enunciativo”. A tatuagem é, com efeito, lida de maneira particularmente aleatória e não previsível, porque está freqüentemente escondida ou “a esconder”, o que torna sua direção menos indefinida: o interlocutor-leitor das tatuagens escriturais não é reduzido a um “outro” humano tomado em uma interação, mas constitui antes um agente de leitura virtual distribuído no ambiente cognitivo exterior do tatuado. Essa indefinição toca igualmente a instância enunciativa: veremos que a questão do locutor e de sua intenção comunicativa está longe de ser simples no caso da escrituras corporais.
Eu examino aqui sucessivamente três configurações enunciativas que quebram o quadro binário da enunciação standard e, em seguida, a configuração particular da tatuagem dissimulada ao tatuado ele mesmo.

2.2.1 ENUNCIADOS PREDICATIVOS EM TERCEIRA PESSOA: AUTOMARCAÇÃO, HETEROMARCAÇÃO

Uma forma muito comum para as tatuagens escritas é o enunciado predicativo em terceira pessoa sem tema explícito: dito de outro modo, uma informação é dada a propósito de uma entidade que não está explicitada, mas a inferimos na situação: o tema parece ser o portador da tatuagem, porque o predicado é sustentado pelo corpo. “Tem-se a impressão”, porque o enunciado não contém marcas indicativas quanto à identificação do suporte da informação. É muito particularmente o caso das tatuagens identitárias exibidas sobre as partes visíveis do corpo (testa, face, pescoço), braço e ante-braço, mão, pernas, tornozelo, costas. Enfant du malheur [Criança maldita], Mártir militaire [Mártir Militar], Esclave du PCUS  [Escravo do PCUS] (tatuagem de gulag, o campo de trabalho forçado), MS13 (nome de uma gangue hispânica de Los Angeles, descrita por Mohamed Habibi, que publica fotos