Revista Rua


Uma enunciação sem comunicação: As tatuagens escriturais
An utterance without communication: the scriptural tattoos

Marie-Anne Paveau

sob a nádega Propriété de maitre Nathan [Propriedade do mestre Nathan]. Automarcação, heteromarcação não consentida ou categoria intermediária indecidível?
Entretanto, podemos estar certos da heteromarcação não consentida para as tatuagens aplicadas sobre os vencidos durante algumas guerras, para o registro dos deportados durante a Segunda Guerra Mundial (tatuagens de desidentificação mais que de identidade) e para outras marcas forçadas da qual a prática não desapareceu (ver acima o caso das iniciais dos gigolôs tatuados sobre o pescoço de suas prostitutas)[15].
Em todos esses casos, a tatuagem coloca um problema evidente da presença e da identificação do locutor, que não podemos aproximar, me parece, modificando o quadro teórico da enunciação, e postulando uma natureza não comunicacional de alguns enunciados (ver 2.3).
 
2.2.2 ENUNCIADOS DÊITICOS EM PRIMEIRA PESSOA

 

Segunda configuração enunciativa, os enunciados em eu, que parecem entrar em um quadro canônico do “discurso” benvenistiano, porque eles apresentam uma dêixis pessoal explícita. Eles colocam, todavia, problemas de emissão e de leitura: a quem são eles dirigidos? Qual é seu leitor intérprete? Os exemplos seguintes mostram que é pouco possível de se colocar uma situação de comunicação tradicional, e que a direção deve ser repensada de maneira distribuída, ou seja, sem identificação precisa de um receptor, mas a imagem, do modelo “bouteille à la mer - garrafa ao mar”, de uma recepção aleatória, múltipla e anônima[16], realizada por todo ambiente:


[15] A tese de F. Le Cornec menciona muitas vezes, em mulheres unicamente, tatuagens não consentidas durante o coma, por exemplo. Ela não dá nenhum detalhe, mas esses exemplos mostram, de um lado, que a prática da marcagem forçada é ainda efetiva, e não somente nos contextos totalitários ou criminosos e, por outro lado, em conseqüência, que a questão da origem enunciativa se põe verdadeiramente, e de maneira cruel nestes casos (LE CORNEC, 1984).
[16] Este tipo de recepção é igualmente, guardadas todas as proporções, aquela do texto literário, segundo P. Ricoeur, por exemplo, para o qual a literatura é o equivalente de uma “Umwelt”, isto é, um conjunto de todas as projeções possíveis para qualquer um sobre o texto literário. O receptor seria então uma virtualidade, o que muito se afasta do modelo enunciativo normatizado.