Revista Rua


Uma enunciação sem comunicação: As tatuagens escriturais
An utterance without communication: the scriptural tattoos

Marie-Anne Paveau

entre o homem e seu ambiente, e não necessariamente entre duas instâncias do discurso. “O homem, sublinha S. Auroux, é antes de tudo uma estrutura biológica (um corpo) que interage com um ambiente e outros corpos. O fenômeno fundamental é a constituição de ferramentas, o que implica a instrumentalização tanto do ambiente quanto do corpo próprio” (AUROUX, 1998: 7). Neste sentido a tatuagem é estritamente dependente de um ambiente cognitivo (no sentido cultural do termo) o que permite ao sujeito a co-construção desta nova (bio)subjetividade.

2.3.3. TATUAGENS SEM FALA (UNSPEAKABLE TATTOOS): UM BIOREFERENCIALISMO?

A hipótese da corpografese não comunicacional implica, lembremo-nos, que não há necessariamente o leitor, portanto, um não retorno interpretativo, nem co-enunciação ativa. Des(enunciada), a tatuagem escapa, em certa medida, da subjetividade da linguagem e adquire de fato um poder, não objetivo, mas referencial (para uma síntese completa e problematizada das questões ligadas ao objetivismo e ao referencialismo, e para uma posição referencialista fina em lingüística, ver ACHARD-BAYLE, 2007). Parece-me, com efeito, que a posição “hiper-indexical” (toda forma e linguagem é comunicacional e toda produção verbal se integra em uma troca intersubjetiva), como aquela que sustenta a co-construção da troca verbal, tem tendência a diminuir a função referencial da linguagem: pela hipostasia da função enunciativa, esquecemos a referência[20]. Porém, a corpografese implica uma linha de continuidade entre as funções pensantes e falantes do espírito e a realidade do corpo e do ambiente exterior. Neste sentido, é um “instrumento”, para tomar o vocabulário de S. Auroux, de negociação da relação do sujeito com o real biológico, material, social e cultural[21].

Tradução:
Greciely Cristina da Costa
Marcos Aurélio Barbai


[20] É também a posição de G. Philippe a propósito da narrativa literária (PHILIPPE, 2002).
[21] Agradeço a Guy Achard-Bayle, Sémir Badir e Pierre Zoberman as sugestões e discussões que têm enriquecido e afirmado minha abordagem nesse trabalho.