Revista Rua


Da parede ao corpo social: a carne que não satisfaz
From the Wall to the Social Body: the Meat Doesn't Satisfy

Gesualda dos Santos Rasia

O ATO DE COMER (CARNE) – DA MAGIA À DIVERGÊNCIA
 
 
O ato de comer, indispensável à existência humana, é carregado de conotações simbólicas, as quais variam de cultura para cultura e concorrem, segundo DaMatta (2004: 32), para estabelecer uma identidade, definir um grupo, classe ou pessoa. Segundo o mesmo autor, “... o mundo das comidas não nos leva para o mercado ou para o governo, mas para casa, para os parentes e amigos: para os nossos companheiros de teto e de mesa.” (op.cit.: 30). O autor também discute os sentidos recobertos por comer e alimentar-se no contexto brasileiro, em que “alimento é tudo aquilo que pode ser ingerido para manter uma pessoa viva; comida é tudo aquilo que se come com prazer, de acordo com as regras mais nobres de preparo, serviço e comensalidade.” (op.cit.:. 31). Esse modo de conceber o ato de alimentar-se e de partilhar o alimento já rendeu narrativas interessantes no campo da filmografia, enredos não raro associados a relacionamentos, afetivos e/ou sexuais. Alguns exemplos encontramos em Simplesmente Martha, Chocolate, A festa de Babete, Ratatouille, só para citar alguns.
Luce Giard (1996), em reflexão acerca da comensalidade como ritual implicado em construções memorialísticas, afirma que o ato de nutrir e nutrir-se transmuta-se em arte, na medida em que envolve artífices do preparo, repletos de gestos, odores, sabores, memórias da infância, tudo isso resumido numa forma de sabedoria que transcende o simples alimentar o corpo, porque revestido de simbolismo. Memória que se perpetua em vontade de escrita das mulheres sem-escrita, às quais historicamente se legou o espaço da cozinha, sublinha a autora.
O nutrir-se como fio condutor de memórias suscitadas pelo paladar, associadas a laços sociais e afetivos desenhados pelo partilhar à mesa e que, não raro, povoam os relatos dos sujeitos em geral acerca da casa da infância são, porém, duramente confrontados diante de uma inscrição pichada em paredes do espaço urbano de Curitiba (PR):