Revista Rua


Da parede ao corpo social: a carne que não satisfaz
From the Wall to the Social Body: the Meat Doesn't Satisfy

Gesualda dos Santos Rasia

ou individual, encontra-se sob as leis de uma escritura, desde antes da modernidade. As inscrições correspondem aos ritos impostos pela sociedade, do nascimento à morte. De um lado, a lei que se marca como texto no corpo dos transgressores, e os faz produzirem-se como textos dessa lei, via algemas e mecanismos de reclusão, por exemplo. De outro, a escritura que transforma a carne em corpo, no intuito de conformar um corpo àquilo que lhe define um discurso social. (op.cit.: 230-7).
 
E2- FOME É FODA
 
Da mesma forma que o E1, o E2 consiste em uma estrutura predicativa, porém ausente de pontuação. Neste caso, é declaração que não afronta o estabelecido socialmente pela via do conteúdo, dado que a fome como algo negativo é consenso, sendo inclusive, objeto de múltiplos e diferenciados discursos. A afronta está, neste caso, no modo como se diz, mais propriamente, na escolha lexical que ocupa o lugar da negatividade. O emprego da designação foda imprime força e agressividade ao enunciado, tornando dispensável o sinal de exclamação. Um uso próprio da fala, dos usos informais, irrompe no âmbito da escrita, desmantelando a linha imaginariamente posta entre oralidade e escrita e entre os que têm e os que não têm acesso aos bens da cultura escrita: “A oralidade se insinua sobretudo como um desses fios de que se faz, na trama – interminável tapeçaria – de uma economia escriturística.” (DE CERTEAU, 1994: 223). À diluição das fronteiras do como se diz corresponde o jogo de forças na determinação do quem pode dizer. A parcela de sujeitos representadas pelo E2 é a dos sem-parcela, dos que não têm carne. Aqueles mesmos a respeito de quem já foi dito, em alguns espaços, que comer vem antes de ler e escrever.
 
OS (DES)ENCONTROS DE E1 E E2
 
A relação que se estabelece entre os dois enunciados não é pura e simplesmente de antonímia, tampouco de paráfrase. Também não é de divisão, por um lado, e nem de bricolagem, por outro. É divergência que resulta da recuperação, em primeiro lugar, dos sentidos recobertos pelo E1 – “Carne é crime”, contrapostos pelos sentidos recobertos pelo E2 – “Fome é foda”, e cujas relações podem ser tecidas a partir dos liames sintático-semânticos subjacentes a ambos. Trata-se de relações de coesão pressupostas, cujo preenchimento sintático do espaço que se encontra lacunar resulta de teias de