Revista Rua


Da parede ao corpo social: a carne que não satisfaz
From the Wall to the Social Body: the Meat Doesn't Satisfy

Gesualda dos Santos Rasia

sentido construídas a partir das posições representadas pelos leitores possíveis. Dependendo das diferentes posições representadas pelos sujeitos que lêem, ora pode haver união, ora separação entre ambos. A seguir, E1 e E2 passam a ser analisados como um único enunciado, considerados a partir de relações de aliança ou de divergência, e cujos agrupamentos são posteriormente descritos:
 
E3 –  Carne é crime, mas fome é foda.
E4 – Carne é crime porque fome é foda.
E5 – Carne está para crime assim como fome está para foda.
E6 – Enquanto carne é crime, fome é foda.
E7 –  Carne é crime e fome é foda.
 
Sobre E3: “Carne é crime”, conforme já discorrido no sub-item “onde o crime?”, é enunciado que reporta a um conjunto de sentidos que joga na esfera da condenação tanto da produção, quanto do comércio e do consumo de carne. Já o enunciado “Fome é foda” não se encontra em divergência direta com produtores, comerciantes e consumidores, alvos do E1, mas afronta a posição representada por aqueles que relacionam o entorno econômico-alimentício da carne à esfera do crime. Subrepticiamente, chama a atenção para o fato de que há crime mais grave, e este tem a ver com a existência de excluídos do ciclo econômico-social. Desse modo, E1 e E2, reconstituídos em E3, no qual encontram-se sustentados por relações sintáticas de adversidade, inscrevem-se, de uma parte, em posições-sujeito conflitantes no interior de uma mesma FD, ao ponto da quase-ruptura.
Sobre E4 e E5: “Fome é foda”, ao denunciar o domínio dos excluídos, não faz aliança com o comércio de carnes e nem com a posição do consumidor. Por outro lado, as questões econômicas emergentes pela via dessa enunciação não são totalmente estranhas às questões ambientais, de distribuição da terra e de política de produção de alimentos, implicadas no E1, conforme já demonstrado. Essa perspectiva, emergente na reconstituição de E4 e E5, coloca-nos diante de uma relação que não é excludentemente de antagonismo, podendo ser, inclusive, de aliança.
Sobre E6 e E7: O fato de que ambos os enunciados podem estar ambiguamente inscritos nas duas posições materializa-se na possibilidade constituída pela recomposição sintática de E6 e E7. A conjunção subordinativa enquanto, presente em E6, é classificada, na perspectiva da gramática normativa, como sendo estabelecedora