Revista Rua


Da parede ao corpo social: a carne que não satisfaz
From the Wall to the Social Body: the Meat Doesn't Satisfy

Gesualda dos Santos Rasia

A cidade apresenta-se, assim, como tecido urbano, ainda consoante De Certeau (op.cit), na qual,

Malgrado a desigualdade dos títulos e das rendas entre habitantes, existe somente um pulular de passantes, uma rede de estadas tomadas de empréstimo por uma circulação, uma agitação através de aparências do próprio, um universo de locações frequentadas por um não-lugar ou por lugares sonhados (op.cit.: 183).
 
Textualidades-tessituras de discursos, nós que vão compondo a grande trama, de cujos furos, vazados, emerge a escritura-voz dos excluídos ou discordantes da economia de consumo hegemônica. Numa época em que hipoteticamente há liberdade de expressão, de circulação de idéias, a emergência das inscrições em paredes, na calada das madrugadas, aponta para direções opostas: ou nem tudo é permitido/possível dizer, ou o dizer entre os desvãos das paredes até então silentes ganha mais força do que a escritura nos espaços institucionalizados, por aí significar de modo diferente.
Diferentemente de De Certeau, Orlandi (2004), a partir da inscrição na AD francesa, discute questões relacionadas à conformação do espaço urbano numa dimensão que é inextrincavelmente de caráter ideológico. Fazer a leitura desse espaço a partir de uma perspectiva ideológica implica levar em conta, a partir de Orlandi (1996: 66), o fato de que os sentidos são dados como naturalizados, resultado do apagamento de seu processo de constituição. O modo de organização da polis contemporânea é fortemente marcado por relações de mercado, desde os estabelecimentos em si, passando pelas vias publicitárias, até o ato de comprar. Nesse trajeto, de dentro dos carros protegidos por insufilme, ao estacionamento resguardado dos centros de compras, a vista humana encontra-se “protegida” da miséria que talvez não se queira ver.
É nessa perspectiva que se pode compreender a rarefação do espaço público na contemporaneidade como relacionada à divisão política do espaço social, a qual, segundo Orlandi (op.cit), manifesta-se também nas formas de linguagem suportadas pelo espaço urbano. A pichação, uma dessas formas, é apresentada pela autora na perspectiva de sua historicidade, ou seja, dos sentidos políticos que assumiu no decurso do tempo cronológico. Nos anos 70, escreve a autora,