Revista Rua


Da parede ao corpo social: a carne que não satisfaz
From the Wall to the Social Body: the Meat Doesn't Satisfy

Gesualda dos Santos Rasia

resiste às imposições monetárias para poder dizer-ouvir (ser lido). A parede, produto das relações de propriedade, não foi pensada para esse fim. E nisso consiste o gesto transgressor, em fazê-la função do papel, que recebe os artefatos da escrita. O efeito de continuum estabelece-se, colocando de modo diferente o repetível/reproduzível da indústria editorial. O sujeito que diz, por sua vez, é inscrito na ausência da assinatura, “reencontrado” a cada nova inscrição em parede-outra, e assim liquefaz o ilusório efeito de origem do dizer. Há, desse modo, um visível deslocamento da ordem do sujeito empírico para um ponto na dispersão urbana. E assim os enunciados funcionam como links que dirigem o olhar do transeunte a uma discursividade específica, a qual parece começar ali. Esse, um dos constructos que produz os sentidos acerca do sujeito urbano e para o sujeito urbano. E, por último, a possibilidade da transgressão aos ditames que regulam com qual língua se deva escrever. Nesse espaço, o da parede, “pode-se” dizer, o que e como se quiser, sob a égide do anonimato. Desse modo, a letra legível traduz o muitas vezes ilegível para a escola e pela escola.  Tornaremos a este último aspecto, mais adiante.
 
ONDE O CRIME?
 
A afirmação que desestabiliza o até então efeito de evidência da carne como alimento simbólico, do trivial ao prato mais elaborado, desloca o olhar-leitor para algumas indagações, fazendo com que a rede de sentidos exponha sua tessitura. Um dos modos como se dá essa construção é pela estrutura predicativa, a qual produz a recuperação da memória coletiva, em que se inscrevem diferentes sentidos para crime e os diferentes modos como a designação carne estaria relacionada a práticas transgressoras.
Uma primeira possibilidade é a posição-sujeito representada por aqueles que defendem/praticam hábitos alimentares alternativos, a exemplo do vegetarianismo. Por si só, essa prática não justifica a postagem do consumo de carnes na instância criminal, mas pode estar trabalhando com a possibilidade dos sentidos figurados, ganhando sustentação na medida em que aciona um pré-construído do tipo: “comer carne é um crime para a saúde”.[5] Por outro lado, no interior das práticas vegetarianas há posturas


[5] Embora no campo da AD não se trabalhe com a busca de verdades, de confirmações no campo empírico, no sentido de confirmar se o referido enunciado teria partido, de fato, de corrente vegetariana, importa registrar posição assumida por esse movimento em relação à aparição do enunciado “Carne é crime” em lugares diferentes de São Paulo, em 2008: “Apesar de não termos ligação direta com os indivíduos que praticaram tais manifestações, assumimos (VEGAN STAFF.org e PROJETO EXTINÇÃO) ter uma postura positiva a toda forma de atuação em nome da Libertação Animal.” Disponível em: http://veganstaff.blogspot.com/2009/01/evento-campanha-natal-sem-carne.html, , acesso em 20/03/2010.