Revista Rua


A enunciação da cidade: práticas discursivas sobre a São Paulo do início do século XX
The city enunciation: discourse practices about São Paulo at the beginning of XX century

André Luiz Joanilho, Mariângela Peccioli Galli Joanilho

não é producto do ferro, mas sim do cobre, que não existe em minha casa... o nosso paulista mostraria, com certeza, o caminho do Juquery.
É sempre prudente falar o patuá com quem não entretem relações com o Parnaso.
O matuto paulista é superlativamente desconfiado. Habituado á grande luz do sol, exige lucidez em tudo, no pensamento como nos actos. Desconfia particularmente das coisas e dos homens do Rio: tudo quanto dalli vem cheira-lhe a peste ou capoeira [...].
O nosso matuto só encontra guarida e retemperamento moral na linguagem clara e precisa (Pereira Barreto, O Estado de São Paulo, 04/12/1903).
 
 
É claro que Pereira Barreto é o matuto, mas não deixa de apresentar alguns elementos que caracterizariam o paulista, ou melhor, o tornariam específico, pela sua tradição, pela sua formação racial, para uns durante um período, e devido à sua educação e passado eugênico, para outros no período seguinte. Assim, Alberto Sales, justificando as especificidades dos habitantes das terras paulista, como vimos anteriormente, coloca claramente que
 
é a influência biológica da raça que, modificada de mil modos pelas circunstâncias exteriores, pelas condições de adaptação, pela seleção e pelo cruzamento, se faz sentir com toda a força de desagregação espontânea e traduz-se praticamente na constituição de novas nacionalidades [...]. A nossa população, não obstante a comunidade de origem que a liga a de outras províncias do império, afasta-se e distancia-se de muitas, por caracteres étnicos secundários, cuja importância e energia não podem ser desprezadas.
Os colonos, povoadores da capitania de São Vicente, eram muito superiores, pela sua cultura moral e pela sua genealogia, aos outros que eram mandados pelo governo português para as províncias do norte (SALES, 1983: 102).
 
 
A visão de Alberto Sales, revestida das idéias raciais, dos indivíduos portadores de tendências, dá o tom do sentimento que se alastra com o crescimento da cidade: São Paulo é diferente porque sua história é diferente. Dentro desse aspecto, mas já se ligando à idéia de que o indivíduo é passível de ser formado, Affonso de Escrangnole Taunay, como diretor do Museu Paulista, organiza, a partir de 1917, exposições iconográficas da cidade, e
 
nessa construção histórica, a cidade atual (anos dez) surge como a resultante inelutável de uma conquista territorial, projetando assim,