Revista Rua


A enunciação da cidade: práticas discursivas sobre a São Paulo do início do século XX
The city enunciation: discourse practices about São Paulo at the beginning of XX century

André Luiz Joanilho, Mariângela Peccioli Galli Joanilho

Do viaduto do Chá viam-se os bairros industriais do Bom Retiro e Luz. Do pátio em frente à Igreja do Carmo na esquina da rua com a Ladeira do Carmo, via-se todo o restante, Brás e Mooca. [...] os quatro bairros industriais (Bom Retiro, Luz, Brás e Mooca) continham tôda a indústria paulista: Tecidos de juta para sacaria, e tecidos de algodãozinho; serrarias e fábricas de móveis; refinações de açúcar; torrações de café; fábricas de botões de ossos, fábricas de telhas, olaria e cerâmica; louças de mesa chamadas de ‘pó de pedra’. Indústrias rudimentares, de couros, e mais algumas coisas.
         Seriam trinta ou quarenta chaminés, de fumaça negra de coque da Inglaterra (ainda não havia eletricidade em São Paulo).
         Os paulistas falavam disso orgulhosamente.
         ‘Manchester brasileira!’ (AMERICANO, 1957: 104).
 
No entanto, este progresso, gerado pela rápida industrialização e a destruição do espaço tradicional da cidade, implicou uma inconstância ou uma instabilidade vivida como condição metropolitana. Logo, a memória em São Paulo se torna esquecimento. Esquecimento por consumo: a cidade é feita para ser consumida. Prédios, praças, ruas surgem e desaparecem ao sabor do acaso especulativo e do não planejamento urbano. A capital, dentro da economia capitalista, ganha um caráter de não permanência. Enquanto que a cidade colonial poderia ser facilmente reconhecida pela sua teia de relações, tanto físicas como sociais, a nova cidade torna-se um campo vazio pelo não reconhecimento, a não ser sentimental, isto é, a relação com o espaço urbano passa a ser subjetiva e abstrata, já que a própria cidade é feita de relações provisórias e não permanentes.
A cidade tradicional perde espaço para a metrópole industrial. Assim:
 
depois de 1879 acentuou-se a tendência que se esboçara no período anterior da existência da cidade: o das manifestações religiosas perderem qualquer coisa da importância de que se revestiam na era colonial [...]. As procissões, mais particularmente, perderam muito de seu esplendor de outros tempos e do interêsse que despertavam. Modificações de tôda a espécie se fizeram nas mais importantes delas [...]. No começo do século atual chegaram a desaparecer algumas festas religiosas também tradicionais, cujo aspecto talvez muito provinciano se chocasse com a feição cosmopolita que a cidade foi tomando (S. BRUNO, 1954: 1.215).
 
 
                        Estas modificações podem ser traduzidas pela febre reformista que tomou conta das administrações do município, principalmente nas mãos do prefeito João Teodoro: