Revista Rua


A enunciação da cidade: práticas discursivas sobre a São Paulo do início do século XX
The city enunciation: discourse practices about São Paulo at the beginning of XX century

André Luiz Joanilho, Mariângela Peccioli Galli Joanilho

Durante a sua administração gastou-se no embelezamento da Capital uma quantia aproximadamente igual à metade do orçamento anual da Província - índice bem evidente da mentalidade urbana (ou psicologia de Versalhes) que prevalecia, e um incentivo a mais para os fazendeiros ricos se transferirem para a Capital. Muitas ruas novas foram abertas, algumas em zonas novas e outras ligando bairros já existentes”, sendo que “uma pista inequívoca aparece no fato de que por volta de 1870 as leis municipais não definem mais a cidade como se estendendo ao longo das estradas principais até certas chácaras, mas a circunscrevem como uma linha artificial, os ‘limites da cidade’. Uma utilização mais completa das estatísticas econômicas e demográficas, muito freqüentes nessa época, daria ainda maior ênfase ao ‘triunfo do abstrato sobre o corpóreo’ (MORSE: 244 e 254).
 
 
A cada dia, a capital renascia dos seus escombros. Desde 1870, um ciclo alucinante de demolições e construções se instalou. O seu caráter de não permanência foi notado por muitos que visitavam a cidade:
 
o que a destacava profundamente das demais cidades do interior e a tornava objeto de justo orgulho dos paulistas era o fato de possuir, já naquela época, um bom número de melhoramentos, fruto tanto da energia oficial como do esforço dos particulares: casas assobradadas de um e dois andares, os primeiros degraus dos futuros arranha-céus; ruas e casas com iluminação a gás; bondes a tração animal; carros de praça e particulares, de vários formatos e tamanhos [...], etc. (S. BRUNO, 1981: 110).
 
 
Porém, o que significaram todas essas mudanças?Neste aspecto, pode-se salientar o caráter desse processo, e tal como o processo produtivo que visa à ampliação do consumo, a própria arquitetura é feita para ser consumida e também para ser modificada. Poderíamos, utilizando a expressão de Hannah Arendt (1983), chamar esse processo de consumo como metabólico. Na sua distinção entre fabricar e laborar a autora nos coloca o caráter da permanência objeto fabricado para permanecer, sendo não “natural”, isto é, não se encontra na natureza e de não permanência o ato de laborar para manter a própria existência.
A economia política provoca profundas mudanças nas sociedades contemporâneas. Por exemplo, as tarefas consideradas de caráter doméstico, isto é, que se ligam à esfera privativa comer, se proteger, reproduzir passaram a ser de importância pública, enquanto: