Revista Rua


A enunciação da cidade: práticas discursivas sobre a São Paulo do início do século XX
The city enunciation: discourse practices about São Paulo at the beginning of XX century

André Luiz Joanilho, Mariângela Peccioli Galli Joanilho

a atividade do labor, embora sempre relacionada com o processo vital em seu sentido mais elementar e biológico, permaneceu estacionária durante milhares de anos, prisioneira da eterna recorrência do processo vital a que se refere. A promoção do labor à estatura de coisa pública, longe de eliminar o seu caráter de processo [...] liberou, ao contrário, esse processo de sua recorrência circular e monótona e transformou-o em rápida evolução, cujos resultados, em poucos séculos, alteraram inteiramente todo o mundo habitado [...]. A esfera social, na qual o processo da vida estabeleceu o seu próprio domínio público, desencadeou um crescimento artificial, por assim dizer, do natural (ARENDT, 1983: 56).
 
 
Sendo assim, a memória do processo vital, ou metabólico se restringe à memória biológica, ou melhor, fisiológica, tanto que:
 
ao contrário da produtividade do trabalho, que acrescenta novos objetos ao artifício humano, a produtividade do labor só ocasionalmente produz objetos; sua preocupação fundamental são os meios da própria reprodução; e, como a sua força não se extingue quando a própria reprodução já está assegurada, pode ser utilizada para a reprodução de mais de um processo vital, mas nunca ‘produz’ outra coisa senão ‘vida’ (Arendt: 99).
 
 
A própria cidade passa a ser lugar da memória biológica. Temos dificuldades para lembrarmos o que consumimos ontem, assim o é para o uso dos equipamentos urbanos, recordamo-nos deles quando se nos apresentam como obstáculos ao nosso deslocamento, ou melhor, obstáculo para alcançarmos o nosso objetivo que é nos manter vivos. Consumimos a cidade e ela deve se renovar para que possamos consumi-la mais.
A idéia de um processo vital em torno das megalópolis relaciona-se com os ideais higiênicos: limpeza, intervenção, prevenção, criando uma cidade moralizada, apta a atender os anseios de trabalho e virtude biológica.
A cidade de São Paulo se prestava a experiências do tipo, já que a sua constituição era recente. O avanço urbano se faz sob o ciclo do café, portanto, os antigos laços sociais são refeitos. Urbanização tardia, imigração, mão-de-obra especializada estrangeira, primeiros industriais, cafeicultores educados na Europa, formam um quadro novo da cidade que agora não é mais reconhecida pelos seus antigos habitantes. No Rio, a elite se reciclara (cf.